Catarina Fortunato “Mãe dos Setinhos”*
A essência do meu ser tem como base a minha infância…Uma infância onde vive e sobrevivi a vários momentos.
Modas, brincadeiras e, sobretudo pessoas que tornavam especial os nossos dias.
Assim como aquele vizinho idoso testemunha de Jeová que enfeitava eternamente a esquina, partilhando livros e oferecendo a salvação, um dia sumiu… Tinha também a vizinha que desfrizava cabelos à quente, a tia do gelado da baixa… Toda essa gente o tempo levou e a idade não perdoou.
Ela ia e vinha, pés descalços, semblante cansado e sinais claro de perturbações mental; Vinha com freqüência, as vezes de manhã, as vezes de tarde, a hora certeira, era a do almoço.
Chegava, entrava e nunca dizia mais do que:
-Bom dia Ni Mama… Cumprimento formal, com estilo caracteristicamente Bakongo… Dorso inquilinado numa improsada vênia, batia palmas posicionada em estilo de concha…
E senta-se no quintal, calada; minha avó Filipa, como se adivinhasse os seus pensamentos e desejos, dava-lhe um prato de comida e foia de água… Nunca conversavam, talvez porque uma era Bakongo e outra camundongo. Mas pareciam comunicar-se lindamente, talvez por empatia ou interesse. Aquela “amizade durou uma vida”. Um dia a minha avó partiu; E a “Bom dia Nimama” ( era assim que a chamávamos) sumiu…A minha avó dizia que, as vezes, Deus manda anjos para provar a nossa fé…
Conheci também o “Tio” que vendia candeeiros, torcidas, agulha e linhas… Tinha o pregão mais famoso da nossa infância:
– Mamué banga banga banga ué… Sumba, sumba… Sumba ué… Compra fio,compra agulha… Pede sal e ainda pede gindungo… A vizinha fala maléé
De tudo isso, restam apenas saudades dos dias que não voltam mais.
Na semana passada vi a “Bom dia Nimama” no mercado dos Kwanzas, com o peso do tempo em seu semblante, parecia cansada e claramente velha e ainda “maluca”… Olhei para ela com os olhos repletos de lágrimas e nostalgia, suspirei e gritei:
-Tia quanto é a goiaba?
Escritora
afonte