Assinala-se esta quarta-feira (13.10), o dia mundial do escritor. Afonte, conversou com Adilson Salvador, escritor, editor, jurista e responsavel da Editora Muenho sobre a problemática do livro, desde a sua concepção, produção ao consumo por parte dos leitores.
afonte- É editor e gestor de uma editora, a Muenho. É difícil ser gestor de uma editora em Angola?
Adilson Salvador (AS) – Naturalmente que é difícil. Ser editor em Angola é, na realidade, um acto de heroísmo e “atrevimento” por ser uma área em que o Estado angolano pouco olha com seriedade e comprometimento. Como deve saber, mesmo aqueles que desviram recursos do erário, pouquíssimos investiram em negócio do livro como livrarias e bibliotecas.
afonte – Quais são as principais dificuldades?
AS – As principais dificuldades prendem-se com a falta de incentivos por parte do Estado. Infelizmente o país não produz papel e, os seus custos de importações, são dos mais assustadores num país que se quer desenvolver de forma sustentável e com uma educação de qualidade.
afonte – Os autores recebem com bom grado os requisitos exigidos pela sua editora?
AS – A princípio sim. A Editora Muenhu é visionária e é das poucas editoras angolanas que faz edição e impressão de obras literárias por demanda (faseadas). Os autores e escritores que procuram os nossos serviços têm a possibilidade de fazer pagamentos em prestações e solicitar pequenas quantidades de exemplares.
afonte – E quais são as dificuldades nas fases de produção de um livro?
AS – As grandes dificuldades estão agudizadas pela situação macroeconómica do mundo decorrente da pandemia COVID-19 que afectou o bolso do cliente (autor e escritor). Outra grande dificuldade é, muitas vezes, a ansiedade do autor versus qualidade do livro. Recebemos projectos de livros com muitos erros e o autor tentado pela ansiedade tem pressa em publicá-los.
afonte – Acha que as editoras precisariam de um apoio do Estado?
AS – Sim. Acredito, inclusive que, nessa altura, já se peca pelo tempo, mas mais vale tarde que nunca. Angola não se vai desenvolver se estiver divorciada do livro, precisamos andar de mãos dadas com o Estado e juntos projectarmos a tão esperada evangelização literária de Angola.
afonte – A produção é cara. Os preços estabelecidos pela editora e o autor são bem aceites por parte do público leitor?
AS – Infelizmente o leitor tem sido a vítima e mais prejudicado com toda essa dessacralização do livro que começa pelo preço.
afonte – Acha que os livros estão muito caros?
AS – Os livros estão à medida do custo de vida de Angola. Mas temos de admitir que entre o pão e o livro o leitor tem, e com razão, priorizado o pão. Precisamos pressionar o Estado para que este olhe para o livro com seriedade e subvencione os custos de produção das editoras ou pelo menos facilite as importações do papel e outras matérias primas imprescindíveis para que o livro seja produzido.
afonte – Os preços dos livros afugentam os leitores em Angola?
AS – Afugentar, não diria. O problema de leitura no país, nada tem a ver com o preço. Existem livros baratos, mas ninguém os compra, infelizmente. O que falta mesmo é hábito e gosto pelos livros. Isso pode começar pelos jornais. Aliás, quantos angolanos lêem jornais? Quase ninguém!
afonte – Para além dos preços dos livros, quais são outras causas da falta de hábito de leitura no país?
AS – A falta de hábito de leitura está muito virada à falta de incentivos no seio familiar, às escolas actuais que não educam para a vida e os livros. Temos professores que não lêem e não incentivam os alunos…
afonte – Que políticas públicas devem ser adotadas pelo Estado para fomentar o hábito de leitura aos angolanos?
AS – O estado deve, antes de mais nada, criar um pacto nacional para a leitura e isso passa por colocar em todos os distritos urbanos e comunas uma biblioteca e criar condições para aproximar mais livrarias e mediatecas dos cidadãos. O Estado deve deixar de olhar para o livro como um meio de ameaça à soberania ou perpetuação no poder de quem esteja no poder.
afonte