A fonte, traz para esta semana mais uma entrevista com o jornalista correspondente da DW (Rádio Internacional da Alemanha), Luciano da Conceição. Com ele conversou-se sobre Moçambique pós eleições autárquicas, luta contra corrupção, oposição política angolana e moçambicana, liberdade de imprensa entre outros temas…
Afonte – Moçambique realizou, recentemente as suas eleições autárquicas, muito protestadas pela população e a oposição. Há mesmo indícios de fraude?
Luciano da Conceição (LC): Estas eleições municipais foram as que mais registaram fraude eleitoral e falta da transparência. Desde o registo dos eleitores, já se notava que seriam as eleições mais problemáticas. Em suma, houve fraude, sim. Por isso, a CNE está com dificuldades em anunciar os vencedores a mais de 40 dias. A polícia e o STAE são os grandes vendedores destas eleições municipais.
Afonte – Como está Moçambique neste momento em que se vive um contencioso eleitoral?
LC: Moçambique vive uma incerteza política e com registo de marchas todas as semanas organizadas pela RENAMO, maior partido da oposição que teria perdido todos municípios.Afonte – Angola prepara-se para realizar as suas primeiras eleições autárquicas, embora ainda sem data. Acha que Moçambique tem algumas lições a dar a este país?
LC: Moçambique tem, sim, a contribuir para eleições municipais em Angola, mas só na parte da lei de descentralização porque a lei está clara. Mas quando chega o momento do processo eleitoral as próprias autoridades que gerem as eleições são as primeiras a violarem a lei. Outrossim, temos a polícia que é usada para humilhar os eleitores nas assembleias de voto. Portanto, partilhar experiências na base da lei pode ser melhor, mas partilhar como roubar votos seria mau para a democracia angolana numa primeira fase. Angola não deve buscar experiência em Moçambique sobre eleições porque os membros do partido FRELIMO só sabem roubar votos e encher as urnas.Afonte – Muitos observadores angolanos dizem que FRELIMO e irmã gêmea do MPLA e a RENAMO da UNITA. Tem a mesma apreciação?
LC: Sim. Estes partidos que se julgam serem libertadores da pátria no tempo colonial tem mesmas característica de fazer sofrer o povo porque levam tudo que é patrimônio à seu favor. Aliás, a FRELIMO e MPLA são partidos que estão no poder há mais de 40 anos, mas nos últimos dez anos a população deixou de confiar e começaram a sair as ruas reivindicando melhores condições de vida.“A liberdade de imprensa está péssima em Moçambique. Muitos jornalistas foram comprados pelo partido no poder. Vários editores foram ameaçados de morte”
Quanto a RENAMO e a UNITA tenho a dizer que são gêmeos porque sempre lutaram para o bem do povo desde a sua fundação, mas nota-se aqui que perderam foco com a morte dos seus verdadeiros líderes, a população também deixou de confiar estes partidos. O povo quer um partido novo e moderno para fazer face ao partido que está no poder a mais de 40 anos. Afonte – E que análise comparativa faz entre TVM-TPA, no que a pluralidade de informação diz respeito?
LC: TVM e TPA são órgão de comunicação social estatais, mas ao mesmo tempo são controlados pelo partido no poder. Lógico que a maneira que tratam os conteúdos nota-se uma grande diferença quando são partidos da oposição principalmente no tempo das eleições. O tempo de antena não é uniforme. E nas coberturas cortam muitas coisas e desfocam as imagens ou mudam o som para não ter qualidade nos ouvidos do povo.
Afonte – Já agora, como esta a liberdade de imprensa em Moçambique?
LC: A liberdade de imprensa está péssima em Moçambique. Muitos jornalistas foram comprados pelo partido no poder. Vários editores foram ameaçados de morte. Os órgãos que deviam regular o funcionamento da imprensa não fazem nada, o MISA só se limita em emitir comunicados e nada mais faz para o bem da classe.“Mas temos países piores em relação a Angola e Moçambique onde a imprensa privada chegou de fechar seus escritórios ou redações por ameaças políticas”
Afonte – Acha que na região austral de África, a liberdade de expressão e de imprensa não gozam de boa saúde?
LC: Não. Porque há países como Botswana com uma boa liberdade de expressão sem interferência política. Mas temos países piores em relação a Angola e Moçambique onde a imprensa privada chegou de fechar seus escritórios ou redações por ameaças políticas. Alguns jornais e televisões fecharam porque não recebiam publicidades das grandes empresas que suportavam o funcionamento administrativo dos órgão.Afonte – O caso “dívidas ocultas” mostrou ao mundo que, efectivamente a luta contra corrupção em Moçambique era um facto. Como estão as coisas hoje?
LC: O governo moçambicano perdeu muito dinheiro no caso das dívidas ocultas. Primeiro com uma firma de advogados na República da África do Sul, segundo com firma de advogados em Londres. Mas depois se percebeu que Moçambique não tem acordo de extradição com África do Sul. Portanto, todo esforço que a procuradoria fez resultou em fracasso e isso mostrou ao mundo o quanto o poder judicial é mantido em cativeiro pelo poder político. O povo deixou de confiar no governo por causa da corrupção e nepotismo. A situação hoje em dia está calma, mas o povo continua a fazer justiça no silêncio como forma de pressionar o governo a deixar o poder para que outros políticos entrem em ação sem roubar ou mesmo enganar.Afonte – Decorreu esta semana, no tribunal supremo angolano, a audição contraditória do general “Kopelipa”. O que se diz em Moçambique sobre a “cruzada contra corrupção” do presidente João Lourenço que começou em 2017?
LC: O cidadão João Lourenço é um político que roubou ao povo angolano desde a sua juventude. Ou seja, antes de ele ser presidente já tinha mancha de roubo das coisas públicas. Então, vemos aqui uma situação delicada em relação a este assunto porque todos cidadãos no partido no poder lutam para ocuparem bons cargos políticos de modo a conseguirem abocanhar tudo ao seu favor e esquecendo o povo merecedor.Afonte – Que futuro veslumbra para estas duas antigas colonias de Portugal?
LC: O povo deve se unir para tirar os ditadores no poder em Angola e Moçambique. Temos exemplos de alguns países da África austral como Malawi e Zâmbia onde a oposição conseguiu vencer as eleições e já se nota grandes mudanças de desenvolvimento. Por exemplo, no Malawi o presidente eleito proibiu viagem fora do país a todos dirigentes e funcionários do estado como forma de conter os custos. Se o povo não mudar iremos ver grande sofrimento da população, principalmente nas zonas rurais em que uma parte vai recorrer as cidades para conseguir sobreviver. Os partidos que estão no poder já não lutam como na década de 1960 e 1970. Eu tenho a certeza de que um dia as coisas voltem à favor do povo.