• 1 de Dezembro, 2024

“Há cidadãos em condições extremamente precárias e degradantes”

 “Há cidadãos em condições extremamente precárias e degradantes”

Em entrevista exclusiva a afonte, Rafael Morais, responsável da SOS Habitat, fala sobre as condições precárias das vítimas das demolições em Luanda.

Siga a entrevista:

Afonte –  É responsável da SOS Habitat, como está a situação das demolições, particularmente em Luanda? 
Rafael Morais (RM): Comparado com o passado recente, isso é, no consolado do José Eduardo dos Santos (JES), diminuiram bastante as demolições, particularmente em Luanda.  

afonte – Mas continuam?

RM: Não. porque a mama deixou de jorrar o leite. Os dólares desapareceram, descobriu-se que a maioria dos projectos habitacionais erguidos em grande escala, foram realizados com fundos do Estado e por esta razão temos projectos totalmente abandonados. A luta contra corrupção embora seletiva veio estabelecer um fim no desmando contra todos aqueles que tinham os seus espaços cobiçados pelos detentores financeiros.
afonte – As forças de defesa e segurança sempre estiveram metidas nesse processo de demolições?

RM: Sempre tiveram envolvimento directo no processo de esbulho de terras e de demolições. Sobretudo, oficiais superiores que, em nome do Estado e munidos de símbolos do Estado, impunham ordem contrariando as decisões das administrações locais para satisfação dos seus apetites. 
afonte – Nessa altura, há muita gente desalojada?

RA: Sim. Existem muitos cidadãos na condição de desalojados  a viverem em condições extremamente precárias e degradante.
Afonte – E como está o processo de realojamento das vítimas? 

RM: Os processos continuam nalguns casos encalhados no papel. 

afonte – Que centro de acolhimento onde se pode considerar a situação mais crítica?

RM: Não digo centro, mas sim espaço alternativo encontrado pelas vítimas para sua sobrevivência e, num Estado normal, o governo angolano nunca permitiria os seus cidadãos a viverem naquelas condições, seja qual for o crime que estes tenham cometido. Considero aqui a comunidade da Área Branca, localizada a escassos metros da Assembléia Nacional, da sede do Governo Central e da zona residencial do Presidente João Lourenço, como a que está em situação deplorável.
afonte E como estão, exactamente  as coisas das famílias concentradas arredores da Praia da Área Branca?

RA – Continuam péssimas, oito anos depois. O Governo não realizou nenhum trabalho que visa respeitar o direito a habitação daquelas famílias. Conforme disse, anteriormente a comunidade concentrada nos arredores da praia da Areia Branca, assim como outras, são vítimas do sistema que, com o erário público desviado dos cofres do Estado, queriam de certa forma satisfazer as suas necessidades financeiras sacrificando famílias que deviam ser protegidas pelo próprio Estado.Presume-se, de princípio, que,  possivelmente nada os afecta em termos de sensibilidade humana. Vimos isso recentemente com a morosidade na tomada de decisões do plano de emergência por parte do Governo da Provincial de Luanda, para acomodar as famílias da comunidade da Areia Branca que, na passada noite do dia 28 de Julho do ano em curso, viram as suas casas a serem consumidas pelo fogo. O processo de realojamento dessas famílias em casas condignas seria, no nosso ponto de vista, ser accionado com vista a colocar fim ao sofrimento que as mesmas vivem numa situação degradante e desumana há 8 anos.De recordar que, a miséria e a falta de saneamento básico nesta zona de Luanda, que fica a escassos metros da Assembleia Nacional, da sede do Governo Central e da residência oficial do Presidente João Lourenço, já provocou epidemias e várias mortes de crianças e adultos. Recordar ainda que, tipo de aglomerações de casas de chapas e de papelão cria perigo no caso de haver alguma situação de calamidade, assim como também viola gravemente o postulado constitucional no seu no 1 do art. 32º (Direito a identidade, à privacidade e à intimidade) onde o Estado declara o seu reconhecimento.
afonte  E as da Kissama? 

RM – Na kissama podemos considerar que foi uma grande vergonha e fracasso de política pública traçada pelo governo provincial de Luanda em 2014 e, como disse, nada os afecta em termos de sensibilidade humana. Foram coloadas ou jogadas como se de lixo se tratasse num espaço impróprio que dista a mais de 90km fora da sede capital.
São cerca de 1375 famílias, majoritariamente pescadores. Foram para esta zona onde não havia condições de habitablidade. Hoje se encontram apenas 100 famílias. A nossa proposta foi sempre de envolver os cidadãos na concepção de políticas públicas porque os cidadãos serão sempre os beneficiários da acção, daí a sua participação efectiva. Em 2015, a direção da SOS Habitat levou para esta localidade deputados da 10ª, 4ª e 5ª Comissões da Assembleia Nacional, que respondiam pelas áreas de direitos humanos, saúde e educação, que depois de verem e ouvirem os depoimentos das vítimas, prometeram interceder junto das autoridades competentes para inverter o quadro em que elas se encontravam e o administrador adjunto para areia técnica da Kissama, na altura, dizia que o espaço onde se encontravam as mais de 1000 famílias era provisório e que seriam transferidos para outro lugar com maior segurança, o que não aconteceu até os dias de hoje. Segundo informações obtidas no local pelos activista da SOS Habitat em 2017, o ex governador de Luanda, Higino Carneiro, visitou o município da Quissama, constatou a situação da comunidade e prometeu construir casas sociais para as respectivos famílias que viviam em casas de chapas oferecidas pela administração em 2014. No mesmo ano, a empresa JESFRAN, começou a terraplanar o local onde seriam construídas as referidas casas, segundo os membros da comunidade contratados hoje pelos activistas da SOS Habitat a empresa sumiu sem deixar rasto. Outra empresa denominada ANGOSPEES, deu avante o projecto em outubro do mesmo ano, tendo construído apenas algumas casas de esferovites e também abandonou as obras .
Actualmente, a zona encontra-se abandonada com muito capim, não tem água potável nem energia elétrica. Tem uma escola e um posto médico a funcionar em condições precárias.
afonte
 – Acha que até as eleições, o governo vai solucionar este problema? 
RM –
 Tudo em Angola é possível. Poderá tentar fazer alguma coisa para driblar a mente das pessoas visando angariar simpatia do eleitorado. No passado também aconteceu o mesmo. Em época pré-eleitoral, as demolições diminuíam, o mais engraçado é que consideravam muitos bairros como ilegais, mas o voto destes mesmos cidadãos não era ilegal. 
afonte  A SOS Habitat tem mantido encontro com o governo, no sentido de dar a conhecer essa situação que relatou?  

RM – A SOS Habitat tem as instituições do Estado como parceiras na sua acção, porque são estas instituições a quem cobramos, dirigimos cartas, reunimos com vista a dirimir certos casos de violações dos direitos Humanos, principalmente os governos provinciais e as administrações municipais.
afonte – Como descreveria o futuro das vítimas das demolições em Angola?
RM –
As vítimas de demolições têm um futuro, digamos assim, abstruso do ponto de vista do bem-estar. Por que o Estado não está, de facto, em alguns casos, a exercer o seu papel, a sua tarefa de promoção do bem-estar, de solidariedade social e, sobretudo a elevação da qualidade de vida dos grupos de cidadãos mais desfavorecidos. Até agora, as vítimas de demolições continuam a pagar a fatura mais cara das falhas de políticas públicas traçadas pelo governo. Isto é, continuam a viver em situações de habitabilidade muito difícil.
afonte – Que apelo deixa ao Estado, particularmente ao poder político?
RM – Primeiro compreender que os cidadãos afetos ao poder político não são autoridades, mas sim servidores públicos e devem esperar a qualquer momento a cobrança dos seus serviços. Que deixem de usar as instituições do Estado para enriquecimento próprio sob penas de serem sancionados pelo povo. Aqui devia ser o poder judicial, infelizmente não vejo força e poder neste órgão de soberania. Que deixem de solicitar apoio financeiro desenfreado para projectos que não têm impacto directo nas comunidades. Angola tem recursos naturais suficientes para gerar riquezas  para os seus cidadãos. Que sejam, de facto, utilizados os recursos humanos existentes para o desenvolvimento do país. Não é possível quarenta anos depois com vários quadros desempregados à deriva, o país importa quadros para sectores, como a saúde e educação. Que se envide esforço no sentido de fabricar lotes infra estruturados para as camadas mais desfavorecidas para concretizarem o sonho da casa própria, pois os actuais fogos existentes a venda nas várias centralidades não satisfazem o bolso dos cidadãos de renda baixa.

afonte

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