No campo profissional, Mário Quixito, director do Instituto Médio Técnico de Hotelaria e Turismo “Terra do Ngola”, localizado na Cidade do Kilamba, quer ver, pelo menos, um dos seus alunos a chefiar uma das grandes cozinhas internacionais, um sonho alcançável, desde que se continue a apostar na formação de professores, que, no seu entender, devem ser bem instruídos para que, na altura de potenciar o estudante, o potencie com ferramentas verdadeiras e de qualidade. O instituto “Terra do Ngola” é, na província de Luanda, a primeira escola pública a formar técnicos médios em Hotelaria e Turismo. Mário Quixito, que recebeu o Jornal de Angola para uma entrevista, referiu que o estabelecimento escolar de que é director já devia existir logo depois da proclamação da independência por Angola ter um robusto potencial turístico.
22/06/2021 ÚLTIMA ATUALIZAÇÃO 09H0
© Fotografia por: Eduardo Pedro | Edições Novembro
O Ministério da Educação aumentou a oferta de cursos técnico-profissionais com a introdução, em 2014, do curso médio de Hotelaria e Turismo. Embora sejam importantes as orientações curriculares internacionais, o programa curricular do curso está ajustado à realidade social e cultural do país?
A nossa instituição tem o seu programa curricular bem ajustado à realidade sociocultural do país. O Ministério da Educação tem uma direcção que se responsabiliza por todo o plano curricular de cada instituição. Connosco não foi diferente.
Acha que o curso médio técnico de Hotelaria e Turismo foi introduzido na altura certa ou já devia ter sido criado antes e porquê?
Pelo potencial turístico que o nosso país tem, uma escola desta dimensão poderia ter surgido logo depois do triunfo da nossa Revolução. Infelizmente, um conjunto de factores concorreu para que tal não acontecesse. O país atravessou um período crítico, razão pela qual a escola só surgiu em 2014. O Executivo teve uma visão holística em apostar na abertura de uma escola desta dimensão. Estamos a preparar os nossos jovens e sentimo-nos felizes porque fazemos parte da primeira geração que está a formar técnicos especializados nesta área. Por isso, estamos satisfeitos.
A segunda pergunta foi feita tendo em conta as potencialidades turísticas do país que, infelizmente, não têm sido devidamente aproveitadas, dentro da perspectiva de o sector vir a ser uma consolidada fonte de receitas para o país. O que tem a comentar?
Angola tem ainda poucos técnicos formados na área e os existentes vieram, na sua maioria, do Reino do Marrocos. Dentro da perspectiva de o sector tornar-se numa fonte robusta de receitas para o país, ainda temos muito caminho a fazer. Daí a visão estratégica do Executivo de criar escolas como esta e outras, como as de Hotelaria e Turismo no Huambo e na Huíla.
O programa curricular do curso é baseado na estratégia do Executivo de alavancar o sector para o país vir a ser um ponto turístico internacional obrigatório?
Sim, porque, quando se elaborou o plano curricular, fizemos uma consulta na rede hoteleira do país. Com base nas necessidades que o sector tinha, foi possível elaborarmos um plano curricular para dar resposta às expectativas do mercado. Nós não fizemos um plano curricular empírico. O nosso plano curricular é contextual, feito com o envolvimento de técnicos da área pedagógica e especialistas do ramo Hoteleiro e Turístico. Por via desta simbiose, foi possível fazer o nosso plano curricular.
O aluno formado aqui sai com pensamento consolidado de que, além das saídas profissionais que o curso oferece, pode ser um empreendedor bem sucedido?
Sim, o aluno sai daqui bem preparado, porque, no curso, a primeira matéria que ensinamos é sobre empreendedorismo. Além de prepararem os alunos para o mercado de emprego, a fim de darem o seu contributo na área em que se formam, as escolas do ensino técnico-profissional têm também um terceiro pilar, que é uma visão empreendedora. A disciplina considerada eixo central de todos os cursos na nossa instituição é a de empreendedorismo. Logo, o estudante, por receber conteúdos desta disciplina, em três anos, está preparado para criar o seu emprego e, também, postos de trabalho para outras pessoas.
Acha que a maioria dos alunos do instituto faz o curso por desejo absoluto de seguir uma carreira profissional na área ou está aqui levada pelos pais ou desiludida por não conseguir entrar em cursos de sua preferência?
No início do funcionamento do instituto, notámos que alguns alunos fizeram do curso um “escape” para não ficarem em casa e perder o ano lectivo. Falo em “escape” porque alguns vieram para cá por não terem conseguido entrar, por exemplo, para a Escola Técnica Profissional de Saúde, Instituto Médio de Economia de Luanda (IMEL), Instituto Médio Industrial de Luanda (IMIL) e o Instituto de Telecomunicações (ITEL). A última alternativa era o Instituto Médio Técnico de Hotelaria e Turismo. Mas, hoje, o quadro mudou taxativamente, fruto do grande trabalho de sensibilização que se fez ao longo destes anos.
O Instituto já fez, alguma vez, um levantamento com recurso a psicólogos escolares, para aferir o estado motivacional dos alunos, com vista a debelar os eventuais constrangimentos encontrados em alunos que, ao longo da formação, perdem o interesse pelo curso de Hotelaria e Turismo?
Em qualquer instituição esse fenómeno pode acontecer. No nosso organigrama, temos um Gabinete Psico-pedagógico, que, de acordo com o seu objectivo, dá tratamento a situações desta natureza. Temos, também, o Gabinete de Inserção à Vida Activa do Estudante. Os dois gabinetes estão de mãos dadas para que assuntos desta natureza sejam tratados. Além de as duas áreas acompanharem activamente o estudante até ao dia da sua saída, a escola tem, durante a semana, duas paradas, onde são abordados temas transversais, com o objectivo de resgatar os valores patrióticos, cívicos e mo-rais, além de abordar a importância dos cursos ministrados na instituição.
Do ponto de vista pedagógico, o Instituto Médio Técnico de Hotelaria e Turismo está em condições de despertar a vocação de alunos que acham não ter “inclinação natural” pelo curso?
Com certeza que sim. Já tivemos casos de alunos que queriam desistir. Mas, fruto do trabalho de sensibilização que a instituição tem feito, acabaram por perceber que, afinal de contas, é importante terminar a formação porque o futuro está garantido. Fundamentalmente, eles se apercebem de que serão os primeiros técnicos de hotelaria e turismo do nosso país e com diplomas, formados pelo Instituto Médio Técnico de Hotelaria e Turismo.
A gastronomia internacional é uma área tão aliciante, razão pela qual as melhores cadeias hoteleiras no mundo procuram pelos melhores chefs de cozinha. Já teve alguma vez a convicção, e porquê, de que Angola pode um dia exportar chefs de cozinha?
Angola pode, sim, exportar chefs. Mas o que é fundamental é apostar nos recursos humanos, na formação dos professores, porque devem ser bem instruídos para que, na altura de potenciar o estudante, o potencie com ferramentas verdadeiras e de qualidade. E isso só será possível se houver o casamento da teoria com a prática.
Nos primeiros anos do Instituto Médio Técnico de Hotelaria e Turismo como foi a adesão de alunos aos cursos?
Nos primeiros anos do Instituto Médio Técnico de Hotelaria e Turismo a adesão de alunos foi muito diminuta. E percebemos que foi por questões culturais e por falta de conhecimento dos benefícios do curso. Por isso é que se fez um trabalho árduo de sensibilização e de informação para que pudéssemos explicar às pessoas o quão importante é o ramo hoteleiro.
Começou com uma população estudantil de quantos alunos e qual é o número actual?
No primeiro ano, a escola arrancou com 778 alunos no ensino médio e 204 no ensino de base, totalizando uma população de 982 alunos. De 2014 a 2021, a instituição já matriculou mais de quatro mil alunos e formou três gerações de finalistas, num total de 805 técnicos, entre os quais, de acordo com o controlo feito pelo Gabinete de Inserção à Vida Activa, estão aproximadamente 100 indivíduos já inseridos no mercado de trabalho.
O curso está bem servido de material didáctico e qual é a sua origem?
Infelizmente, o curso não está bem servido de material didáctico. Os alunos optam pela via alternativa, que é a Internet. Um dos grandes desafios da escola é a criação de uma biblioteca, onde o aluno deve encontrar tudo de que precisa sobre a sua área de formação.
O curso médio não cobre todas as áreas referentes ao sector da Hotelaria e Turismo, porque tem cursos que não foram ainda abertos, devido à falta de especialistas. A área de Turismo tem aproximadamente catorze cursos, mas a nossa escola apenas ministra cinco no ensino médio e quatro no ensino de base. Não adianta abrir um curso sem haver especialistas formados na área.
Quem quiser, por exemplo, trabalhar em áreas de protecção ambiental, como parques naturais e reservas de caça, encontra no curso suporte pedagógico para se tornar um profissional?
Sim, quem quiser trabalhar em área ambiental encontra no curso suporte pedagógico, porque a temática ambiental é transversal. Em qualquer curso é tratada a questão ambiental. Devido ao potencial turístico que temos, a componente ambiental deve ser muito bem tratada. Dentro da transversalidade do nosso currículo aparecem padrões ligados ao meio ambiente.
Embora esteja sob tutela do Ministério da Educação, o Instituto Médio Técnico de Hotelaria e Turismo tem alguma parceria com departamentos ministeriais que trabalham na execução e implementação de políticas e estratégias ligadas ao sector da Hotelaria e Turismo?
A nossa missão, enquanto membro de direcção desta escola, é holística, de maneira que temos tido contactos com distintos ministérios. Por exemplo, o Ministério da Cultura, Turismo e Ambiente tem estado de mãos dadas com a nossa instituição, fruto das nossas solicitações. Nós, praticamente, fomos credenciados pela rede hoteleira de Luanda, cuja relação tem permitido que os nossos estudantes façam os seus estágios. Com o Ministério da Justiça e dos Direitos Humanos temos tido contactos jurídicos, para a realização de palestras e seminários sobre a legislação em Angola referente ao campo turístico.
O curso é totalmente teó-rico ou dispõe de uma parte prática, com trabalhos de campo?
O curso é teórico. Mas nenhum estudante termina o curso sem passar pela prática, por via de estágios. Todos os alunos da nossa escola fazem estágio, graças ao apoio que temos recebido da rede hoteleira de Luanda.
Os alunos formados aqui saem com o conhecimento geral de Geografia de Angola, da nossa rica cultura alimentar e de outros aspectos identitários da cultura angolana?
Os alunos formados aqui saem, sim, com um conhecimento geral da Geografia de Angola, tudo porque o nosso plano curricular é contextual e abrangente à nossa realidade.
Os alunos formados pelo instituto são, pela natureza do curso, absorvidos sobretudo pelo sector privado?
No que toca ao mercado de trabalho, os alunos formados pelo instituto são absorvidos, sobretudo, pelo sector privado. Por exemplo, a maior parte dos restaurantes da Cidade do Kilamba tem entre os seus funcionários estudantes da nossa escola. O programa curricular permite que qualquer aluno que saia daqui e não consiga emprego se torne empreendedor. Nas feiras que escolas da Cidade do Kilamba têm realizado temos tido conhecimento de que existem estudantes que criaram o seu próprio negócio. Como já disse, a nossa escola prepara o aluno não somente para o mercado de emprego, mas também para ter uma visão de criação do seu próprio negócio.
Admite que existam centenas de técnicos médios de hotelaria e turismo que deixam de fazer uma formação superior na área por estarem desanimados, em decorrência do facto de não conseguirem entrar para o mercado de trabalho, depois da conclusão do curso?
Não admito, porque o aluno que termina a formação acaba por tomar consciência e perceber a importância do ramo hoteleiro e tem muitas opções na área em que se formou.
O projecto Okavango, do qual Angola faz parte, tem sido estudado a nível do curso, pela sua importância na economia dos países signatários?
Sobre o projecto Okavango, temos abordado o assunto dentro do nosso plano curricular. Temos disciplinas que abordam aspectos ligados ao referido projecto. Inclusive, já temos um encontro marcado com o Ministério da Cultura, Hotelaria e Turismo, porque queremos que este departamento ministerial envie para o instituto especialistas para darem palestras sobre a importância do projecto Okavango, que vem dignificar o turismo não só de Angola como de outros países da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC).
O que é que gostaria de acrescentar?
O Instituto Médio Técnico de Hotelaria e Turismo tem dois ciclos de ensino. O primeiro ciclo é o ensino de base, da 7ª a 9ª classe, e o segundo ciclo o ensino médio, que vai da 10ª classe até à 13ª classe. No ensino de base são ministrados quatro cursos: de cozinha, pastelaria e padaria, mesa/bar e prática de serviços de andares. Já no ensino médio são ministrados cinco cursos: de turismo, recepção, restauração e bar, restauração de cozinha e pastelaria e de gestão hoteleira. Importa referir, também, que há um grande problema nas instituições de ensino técnico-profissional. Não nos interessa ter uma instituição com numerosas turmas, mas sem laboratórios. O estudante tem que aliar os conhecimentos adquiridos na sala de aula com a prática, em oficinas com laboratórios, inclusive. Também seria fundamental a revisão da nossa carga horária. Em países mais avançados, a componente teórica tem aproximadamente 30 a 40 por cento do plano curricular e a prática de 40 a 70 por cento, o que permite ao aluno ter maior tempo no laboratório, na oficina, do que na sala de aula. Assim estaríamos a ter um técnico com mais ferramentas para o mercado de emprego.
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Manuel Gonçalves: “Quero fazer advocacia quando for reformado”
Manuel António Gonçalves, 52 anos, actual director provincial de Luanda da Cultura, Turismo, Juventude e Desporto, é uma figura que dispensa apresentações no universo artístico e cultural do país. Comunicativo, revela-se um homem de “mil e uma ideias”. Ele admite que a sua vivência no Sambizanga facilitou a sua rápida adaptação no dirigismo cultural. Formado em Direito, pensa fazer advogacia quando for reformado
A sua paixão pela arte vem da família ou é em função do seu próprio percurso?
A minha paixão pelas artes é em função do percurso que fiz. Tenho escritos do tempo da tropa e um deles foi publicado no Jornal de Angola, no espaço cultural denominado “O conto do mês”, em 1999. Participei com um texto sobre a história do menino de rua que sonhava com uma Angola em paz. Foi a malograda professora e escritora Gabriela Antunes que notou a minha queda para o conto. O escritor John Bella incentivou-me a ingressar na Brigada Jovem de Literatura (BJL), onde acabei mesmo por acompanhar algumas actividades, sem qualquer filiação. Acompanhei a época da canção infantil “Piô Piô”. Cheguei igualmente a ser futebolista federado, com o guitarrista Kintino da Banda Movimento, no Victória do Sambizanga.
Fala sempre com muita paixão do Sambizanga. É somente por ter nascido lá ou existem outras razões?
Para mim o Sambizanga é uma república. Esse pedaço de Luanda tem o seu espaço nos mais variados domínios da vida social, económica, cultural e política do país. Embora não tenha sido um farrista, acompanhei sempre os grandes movimentos artísticos locais, que aconteciam nos centros recreativos. Foi uma época em que o actual empresário Kito Dias dos Santos era um dos grandes dinamizadores das actividades artísticas no Kudissanga Kua Makamba. Acompanhei, igualmente, o processo de desenvolvimento do Carnaval. Tenho uma grande admiração pelos grupos carnavalescos Kabocomeu e Kiela. Acompanhei o desenvolvimento de grupos como o União Cruzador da rua Nga Di Povo, que era uma réplica do Kabocomeu, o União Angola e Cuba, o Maringa de Caxito, do pai do malogrado músico Zé Abílio e o Kazukuta do Sambizanga, onde estava o mais velho António Gonçalves, o tio Nito. Cresci e acompanhei toda a dinâmica dos movimentos culturais. Isso explica a minha disposição para as questões culturais.
Toda essa vivência adquirida no Sambizanga facilitou a sua rápida adaptação ao dirigismo cultural?
Sem sombra de dúvidas. Outro aspecto importante foi acompanhar sempre o movimento cultural local, mesmo contra a imposição dos meus progenitores, por causa da questão religiosa. Para eles, o Carnaval era uma questão pagã. Até levávamos (eu e os irmãos) o rótulo “Os da Igreja”. Acompanhei a trajectória artística do Bangão e do Bel do Samba. Lembro-me do Zé Abílio, do Kintino e do Abílio Amaral, que jogaram federado comigo no Victória do Sambizanga, à porta da casa do velho Tonico, pai do Zé Abílio e do Pombinha, a ensaiarem depois das aulas. Eles passavam o final da tarde a tocar guitarra. Todo esse movimento cultural contribuiu para a minha queda para a cultura.
Como se dá a sua entrada para a vida cultural activa?
Entro para a cultura depois da minha desmobilização das forças armadas e de forma inusitada. Cruzei-me, em 1994, com o meu ex-Procurador Militar, que sugeriu-me a fazer teste na então Direcção Nacional de Espectáculos e Direitos de Autor, dirigido pelo malogrado músico André Mingas. Fiz o teste e fui admitido. Passados seis meses fui colocado como chefe de departamento na Delegação Provincial da Cultura de Luanda, onde fui responsável pela área de Espectáculos e Direitos de Autor durante 15 anos. Na época o delegado provincial era o antropólogo Virgílio Coelho.
A bagagem adquirida como defensor oficioso na Procuradoria Militar no Zaire facilitou a sua inserção no sector cultural, na área dos Direitos de Autor?
O facto de lidar muito cedo com a matéria de direito desenvolveu-me essa paixão que agora é melhor capitalizada a favor da classe artística. Toda essa bagagem adquirida facilitou o meu ingresso na Cultura. Quando fui fazer o teste estava desempregado e procurava um emprego para me “safar”. Durante muitos anos já não pensava dar continuidade à minha formação em Direito para ser procurador ou juiz, somente pensava em continuar na Cultura, onde já me tinha familiarizado. Quero fazer advocacia quando for para a reforma. Tenho a carteira de estagiário, mas não exerço por falta de tempo.
Se pudesse mudaria alguma coisa na sua vida, de modo a ter um outro percurso profissional?
Não me arrependo das coisas que fiz. Os erros cometidos na vida servem de reflexão. Hoje, eventualmente, há quem diga que estaria bem se estivesse na tropa. Tenho amigos que foram meus colegas que são tenentes generais e generais. O actual Procurador-Geral da República, Hélder Pitra Grós, foi meu professor de curso. O porta-voz da Procuradoria-Geral, Álvaro João, o secretário-geral da Presidência da República, Félix de Jesus Cala, foram meus colegas de curso na Procuradoria Militar. Não estou arrependido, decidi fazer carreira na Cultura. Depois de muitos anos a desempenhar as funções de Chefe de Departamento, fui indicado a desempenhar o cargo de Director do Município de Luanda da Cultura e Turismo, e agora estou nas funções de Director Provincial da Cultura, Turismo, Juventude e Desporto. Tive outras propostas, até mesmo para o exterior do país, mas recusei. Acho que não deveria aceitar as demais propostas somente por uma questão de prestígio.
Continua a frequentar o Sambizanga para visitar amigos e familiares?
O Sambizanga é a minha paixão eterna. O meu bairro tem uma tal mística que não consigo ficar muito tempo sem por lá passar, até porque é onde estão as minhas vivências. Sempre que posso ainda vou jogar à bola com os meus amigos da rua do Kizua. Tenho uma ligação muito forte ao meu antigo bairro. Os meus dois primeiros filhos nasceram no Sambizanga, a minha mulher também, então não tenho como me desligar, na totalidade, do distrito. Actualmente vivo no município de Talatona.
Como vê o movimento cultural e artístico do município do Sambizanga?
O Sambizanga enferma de um problema que é a falta de um associativismo funcional. As poucas acções têm mostrado pouca acutilância, diferente do Cazenga, Rangel e Maianga, onde se vive muito mais intensamente o associativismo. Quando se criam os projectos denota-se muitos problemas de liderança. Estou a falar, fundamentalmente, da zona onde nasci e cresci, a zona do Musseque Mota.
Essas palavras são como dar um tiro no próprio pé…
Até certo ponto sim. Acho que eu próprio poderia fazer mais pelo meu Sambizanga. O bairro tem um histórico muito forte, culturalmente. Existem acções individuais e colectivas desenvolvidas por muito boa gente. Estou, juntamente com outros da minha geração, a fazer um trabalho profundo de sensibilização da juventude, porque acreditamos que o futuro está na juventude. Existe um núcleo de alfabetização de jovens para jovens, que tem merecido o nosso apoio particular e institucional.
Ao longo desses anos fez muitos amigos e inimigos?
Eventualmente sim, devido à minha profissão. Muitas vezes precisamos manter o respeito e impor também alguma autoridade. Muito recentemente, não vou citar o nome da pessoa, fiquei bastante desiludido com alguém por quem tinha muito respeito e que perdeu a minha consideração. Criou-me uma situação, em termos profissionais, que quase me levou a “escorregar na casca de banana”. Foi um verdadeiro “envelope envenenado”. Não conheço os meus inimigos. Sei que os tenho, mas não sei quem são.
Procura transmitir sempre valores de honestidade aos seus filhos?
Os meus filhos e a minha mulher conhecem as minhas contas bancárias, sabem qual é o meu salário, sabem quando podemos mais ou menos. Para ter uma ideia, quando chego tarde a casa, quem me liga para saber se está tudo bem é a minha filha mais velha que está agora a completar 28 anos. Os meus filhos me informam para onde vão. Acredito ter criado bem os meus filhos. Eles agora auto-educam-se. Eu apenas mostro o caminho. Estou satisfeito com os filhos que tenho, não apenas pelos valores transmitidos e acatados por eles, mas sobretudo porque coloco Deus em primeiro lugar.
Como tem sido dividido o seu tempo livre?
Sou muito caseiro. Chega mesmo a ser um contraste com a função que desempenho. Dificilmente participo em festas ou vou às farras. Procuro estar mais tempo com a família. Ao longo da semana tenho estado muito ausente por questões profissionais e compenso aos finais de semana. Já recebi convite para ser apresentador de um programa na TV Zimbo, que declinei. Na altura, o director de programas era o jornalista José Galiano, que depois foi para presidente do Conselho de Administração. Viu-me a participar no programa “Sexto Sentido”, da Dina Simão, e propôs-me para ser apresentador de um dos programas culturais, porque achou que eu tinha qualidades e argumentos suficientes para dar mais subsídios ao programa cultural. Durante dois anos, o director Galiano andou a “namorar-me”, mas declinei porque não era minha intenção fazer televisão, até mesmo por uma questão de deontologia profissional. A minha paixão é mesmo a rádio, que exercitei durante o tempo de tropa no Zaire.
Também tentou entrar na Rádio Nacional de Angola…
Quando fui desmobilizado cheguei a fazer um teste na RNA, por iniciativa do malogrado jornalista João Carlos, da Rádio 5. A minha “carrasca” foi a jornalista Sara Fialho. Não sei se ela se lembra. No dia do teste psicotécnico tinha uma camisola com a escrita MAC. A Sara Fialho substituiu a letra M pela L e perguntou-me se estava “Tudo LAC”. Respondi que sim e ela disse-me que não, porque estávamos na RNA. Acho que, dentre outras coisas, esse foi um dos testes que me reprovou. A minha paixão continua a ser a rádio. Durante dois anos fui convidado residente do programa “Sábado Mais”, da Rádio Luanda.
Como surgiu a ideia da criação do projecto de divulgação do instrumento musical tradicional Dikanza?
O projecto “Tuxika ó Dikanza” surge na sequência do programa “Bata Branca”, quando ainda estava colocado na Comissão Administrativa da Cidade de Luanda. A ideia era a inserção da prática cultural nas escolas da capital, para aproveitar os tempos livres das crianças, no sentido de lhes dar uma formação artística e fomentar o combate à pobreza. Havia um programa implementado, de ensino dos instrumentos musicais tradicionais, com a inserção dos grupos folclóricos Semba Muxima, Idimakaji, Kituxi, Kamba Dia Muenho e Mizangala, como monitores a nível das escolas em que já existiam pólos de desenvolvimento do projecto. Juntei-me ao percussionista Jorge Mulumba, por causa do conceito. Ele apresentou o projecto “Tuxika ó Dikanza”, e eu tinha o projecto “Dikanza”. Decidimos estruturar melhor as ideias e fizemos uma fusão. O Jorge Mulumba ficou com o lado prático e eu com a idealização. Felizmente o projecto tem dado resultados proveitosos. Já temos vários parceiros, como a Nova Energia, a Fundação Arte e Cultura, o Mercado Verde do Benfica, o Museu de Antropologia, o Instituto Nacional do Património Cultural, várias Administrações Municipais e o União Mundo da Ilha. Na dança estamos a trabalhar em parceria com a Associação Angolana de Dança (AADANÇA) e a Associação dos Grupos de Dança de Angola (AGRUDANÇA).
Como pensa dinamizar o projecto A Rota Turística de Luanda?
Queremos alinhar a esse roteiro turístico várias expressões culturais a nível da província de Luanda. Estamos a trabalhar com os agentes privados na zona do Cabo Ledo, para o fortalecimento e dinamização das mais variadas actividades culturais. Vamos trabalhar nas ideias que vão levar o projecto também para Cacuaco, Viana e Muxima. A intenção é criar rotas turísticas que tenham sempre presente a Cultura. Vamos criar o Festival de Música Tradicional em Catete, em homenagem à figura do mestre Kamosso. Temos uma preocupação com o teatro e a música gospel, com a realização de festivais. Pensamos reativar e dinamizar os prémios Cidade de Luanda, os festivais provinciais dos mais variados géneros artísticos, o baú literário denominado Poesia no Saco de Pão, incluindo os projectos Leitor do Mês e Memórias Sobre o Meu Bairro, em parceria com a empresa MG Eventos. Em todo esse processo a componente formativa é importante para consolidar o lado criativo dos artistas. Estamos a criar cursos, no domínio artístico, com o Instituto Nacional de Formação Profissional (INAFOP).
Luanda não tem uma agenda para fomentar o turismo cultural?
É verdade. Estamos a trabalhar com uma empresa no sentido de se criar uma agenda cultural e artística dinâmica. Penso que não deveria ser o Governo a executar e a fazer cultura, olhando para as dinâmicas que o movimento cultural deve ter em Luanda. Devemos ter a preocupação de trabalhar com os agentes artísticos na dinamização de todo o processo. O Estado deve aparecer enquanto coordenador. Criar uma agenda cultural e artística regular na capital está também muito dependente do cumprimento das actividades dos próprios artistas.
Há vozes que defendem mudanças profundas na estrutura organizativa do Carnaval de Luanda. Qual é a sua opinião?
O Carnaval de Luanda tem uma matriz própria, que tem estado a evoluir. Às vezes se questiona muito a sua modernidade. Se recorrermos às imagens das décadas de 1970 e 1980, vamos constatar que tinha muito mais originalidade e espontaneidade. Se observarmos a estrutura organizativa dos grupos carnavalescos actuais, comparativamente ao passado, podemos observar que hoje existe muito mais ritmo e beleza. Os grupos precisam compreender que são parte do processo de melhoramento da Festa do Povo. No Primeiro Encontro Provincial do Carnaval de Luanda o objectivo era definir tarefas. O Ministério da Cultura teria o papel de orientador das políticas, o Governo da Província de Luanda de coordenador ou supervisor, e a APROCAL de produção do Carnaval.
Tem alguma referência, no mundo artístico, que muito admira?
Admiro muito a forma de ser e estar do músico Sabino Henda, pela sua verticalidade, trajectória de vida e humildade. O Kyaku Kyadaff, que ajudamos também na sua projecção, o Konde, o falecido Bangão e instrumentistas como o Kintino, o Teddy Nsingui da Banda Movimento, o Texas, os percussionistas Chico Santos e Massano Júnior, os cantores já falecidos Tony Caetano, Urbano de Castro e David Zé.
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Perfil
Mário Quixito
Nacionalidade: Angolana Naturalidade: Maxinde (Malanje) Data de nascimento: 09/08/ 1966 Estado Civil: Casado Número de filhos: 5 Habilitações académicas: Licenciado em Pedagogia, em Cuba, e pós-graduado e doutorado em Educação Ambiental. Passatempo: Ver televisão Prato preferido: Funje de peito alto Bebida: Sumos Religião: Católica Onde passa as férias habitualmente: Catalunha (Espanha) Benguela (Angola) Músico preferido: Yuri da Cunha Percurso profissional: Entrou para o sector da Educação há mais de 30 anos, a partir da província de Malanje, de onde foi transferido para a província de BenguelaEm 1991, através de uma bolsa de estudos, viaja para Cuba, tendo regressado ao país cinco anos depois com a licenciatura em Pedagogia na bagagem.Depois do regresso de Cuba, foi colocado no Instituto Médio de Educação do Cazenga, onde funcionou mais de 14 anos e chegou aexercer o cargo de subdirector administrativo.Em 2014, foi nomeado director do Instituto Médio Técnico de Hotelaria e Turismo da Centralidade do Kilamba, cargo que exerce até hoje. Maior sonho no campo profissional: Ver, pelo menos, um dos seus alunos a chefiar uma das grandes cozinhas internacionais.
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Manuel Gonçalves
Manuel António Gonçalves, de 52 anos de idade, nasceu no “coração” do município do Sambizanga, no bairro Cuba, a 6 de Março de 1969. É casado com Manuela Gonçalves há 24 anos e pai de quatro filhos, designadamente a Lisandra, o Edvaldo, a Edilásia e o Manuel. Passear e assistir espectáculos musicais e de teatro em companhia da família é uma das suas prioridades nos tempos livres. Outros dos seus prazeres são ver filmes em casa, ir ao cinema e viajar pelo país.
Aos 18 anos, ingressou nas Forças Armadas Populares de Libertação de Angola (FAPLA), onde foi seleccionado para o curso de Instrução e Investigação Criminal na Procuradoria Militar, em Luanda, tendo no final sido graduado a Aspirante. Foi depois destacado para a Primeira Região Militar, no Uíge, onde com outros colegas formou as Organizações de Frentes e Zonas (OFZ). É um dos co-fundadores da Procuradoria Militar no Zaire.
Formado em Direito pela Universidade Gregório Semedo, em 2017, o seu percurso académico universitário começou em 1998, quando entrou para a Universidade Agostinho Neto, onde ficou dois anos no curso de Direito.
No âmbito do processo dos acordos de Bicesse, em 1991, é desmobilizado por vontade própria, manifestada numa carta dirigida ao então Procurador Militar Simião Cafuxi. Tem o curso de Gestão Colectiva de Direitos de Autor, feito em Genebra, pela Organização Mundial de Propriedade Intelectual (OMPI), em 1998.