• 29 de Novembro, 2024

Fotos da Estátua da Liberdade em 1920 e 2021 não provam inexistência do aquecimento global

 Fotos da Estátua da Liberdade em 1920 e 2021 não provam inexistência do aquecimento global

Por MAURÍCIO MORAES

Repórter | Rio de Janeiro | lupa@lupa.news

15.JUL.2021 | 18H39 |

Circula pelas redes sociais uma montagem comparativa de duas fotos supostamente tiradas em 1920 e 2021 da Estátua da Liberdade, localizada em Nova York, nos Estados Unidos. Nelas, vê-se que o nível da água nas margens da ilha Ellis, onde fica o monumento, é mais baixo na imagem atual do que na antiga. Segundo a legenda que acompanha o post, isso mostraria que não existe aquecimento global. Por meio do ​projeto de verificação de notícias​, usuários do Facebook solicitaram que esse material fosse analisado. Confira a seguir o trabalho de verificação da Lupa:

 “E se eu te disser que não existe aquecimento global? [Montagem mostra fotos da Estátua da Liberdade em 1920 e 2021, sendo que o nível do mar é mais baixo na foto recente]”

Legenda de post publicado no Facebook que, até as 18h de 15 de julho de 2021, tinha 288 compartilhamentos

FALSO

A informação analisada pela Lupa é falsa. Comparar o nível do mar em duas fotos diferentes não é suficiente para saber se houve alteração no volume de água dos oceanos ao longo do tempo devido ao aquecimento global. Uma reportagem da revista Time, por exemplo, mostra uma imagem da Estátua da Liberdade de 1939 (foto 11) com o nível da água tão baixo quanto o da cena que teria sido registrada em 2021, segundo o post. O mesmo acontece em uma foto de 1894 e em um cartão postal anterior aos anos 1930. Isso ocorre porque o nível da água pode ser afetado pelas marés, entre vários outros fatores – inclusive o aquecimento global.

Análises desse tipo precisam considerar toda uma série de elementos, o que não ocorreu no post. “É preciso tomar muito cuidado com duas fotos isoladas para se discutir o assunto do aquecimento global”, explicou, por e-mail, o professor Joseph Harari, do Departamento de Oceanografia Física, Química e Geológica do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo. “É preciso saber os instantes referentes de cada uma dessas fotos, se era maré alta ou baixa, a fase da lua (na sizígia ou na quadratura), se havia evento meteorológico significativo ou não, qual foi a ocorrência de chuvas (incluindo dias anteriores) etc.”

Harari afirmou que a forma correta de estudar a variação do nível médio do mar requer medições sistemáticas de longo prazo, de preferência a cada hora, e da análise das tendências. “Duas fotos isoladas não definem o processo”, diz. Ou seja, é preciso um levantamento cuidadoso de dados comparativos, que também precisa levar em conta as causas naturais dessas mudanças. “O que nos interessa é o nível médio do mar, o nível em torno do qual as águas oscilam”, disse Harari, em uma entrevista para o programa Amigos do Mar, em 2018. “A longo prazo, na média global, o nível do mar está subindo na taxa de 3 milímetros por ano.”

De acordo com um relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), pesquisadores que analisaram o tema concluíram que houve um aumento do nível médio dos oceanos de 19 centímetros entre 1901 e 2010 – período muito próximo do exibido pelas duas fotos (página 11). Esse aumento, contudo, não foi uniforme. Estima-se que o crescimento tenha sido de cerca de 1,7 milímetro por ano no século 20 e entre 2,8 e 3,6 milímetros por ano desde 1993 (pág. 142). Ou seja, houve uma aceleração nessa velocidade nas últimas três décadas. “O aumento do nível do mar é causado principalmente por dois fatores ligados ao aquecimento global: a água acrescentada [aos oceanos] por conta do derretimento das placas de gelo e glaciares e a expansão da água do mar quando esquenta”, afirmou a Nasa ao site Politifact, que recentemente checou um post similar.

As duas imagens da Estátua da Liberdade exibidas na publicação verificada pela Lupa são verdadeiras, mas foram feitas em anos diferentes daqueles que aparecem na legenda. A foto mais antiga, cujo original está disponível na coleção digital da Biblioteca Pública de Nova York, é de 1917. Já a cena mais recente foi registrada em 2016 pela fotógrafa Monica Volpin, quedisponibilizou o arquivo gratuitamente para uso e download no site Pixabay.

Artigos relacionados