Para observadores da política chinesa, o período que antecedeu o 20º Congresso do Partido Comunista, que arranca este fim de semana, destacou-se por ser o mais “silencioso de sempre”, apesar da importância histórica do evento.
“Eu já achava a elite política da China bastante opaca, e isto foi antes de qualquer frincha de luz ter sido bloqueada”, descreve à agência Lusa Scott Kennedy, Conselheiro para os Negócios e Economia da China, no Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais, um grupo de reflexão (‘think tank’) com sede em Washington. “Este é o congresso mais silencioso de sempre”, observa.
A dificuldade é agravada pelo encerramento praticamente total das fronteiras da China desde março de 2020. Scott Kennedy é um dos raros pesquisadores estrangeiros que conseguiu visitar o país nos últimos dois anos e meio.
Isto contrasta com congressos anteriores, quando fações que disputavam entre si posições de poder vazavam informações comprometedoras sobre rivais para a imprensa estrangeira.
Em 2012, o período que antecedeu o XVIII Congresso do Partido Comunistav ficou marcado por escândalos sucessivos, que abalaram a elite política do país asiático.
O mais sonante foi o assassinato de um empresário britânico pela mulher de Bo Xilai, uma estrela política em ascensão e um dos principais rivais do actual líder chinês, Xi Jinping, que ascendeu ao poder nesse ano. Bo foi expulso do partido e condenado à prisão perpétua por corrupção.
Poucos dias antes do início do congresso, uma investigação do jornal norte-americano New York Times revelou também como a família do então primeiro-ministro chinês Wen Jiabao juntou uma fortuna avaliada em 2,7 mil milhões de dólares durante o seu mandato.
Mesmo durante o reinado de Mao Zedong (1949-1976), o fundador da República Popular da China, havia facções concorrentes, com altos quadros do Partido Comunista a serem frequentemente afastados, reabilitados e afastados novamente.
Após a sua morte, Deng Xiaoping, o arquiteto-chefe das reformas económicas que abriram a China ao mundo, nos anos 1980, procurou institucionalizar a sucessão do poder político, basear a tomada de decisão num processo de consulta coletiva, afastar o Partido Comunista de órgãos administrativos do Estado e descentralizar a autoridade pelas províncias e localidades.
Xi Jinping, que deve assegurar um terceiro mandato como secretário-geral do Partido Comunista durante o 20º Congresso, reverteu aquelas reformas ao centralizar o poder na sua figura e ao afastar rivais políticos e a dissidência interna.
“A opacidade é um reflexo do estreitar do ‘circulo de confiança’ na liderança da China” e da “centralização extrema de poder por Xi”, aponta Christopher K. Johnson, presidente da consultora China Strategies Group e antigo analista de assuntos da China na agência de inteligência norte-americana (CIA), numa conversa com jornalistas estrangeiros colocados em Pequim, por videochamada.
“Quando havia uma governação coletiva, a informação circulava equitativamente entre os membros do Politburo”, descreve. “Isto aumentava a possibilidade de ter acesso a fontes”.
O analista, que, durante a sua carreira, acompanhou sete congressos do Partido Comunista, ao longo de 30 anos, observa que, hoje, mesmo quadros de nível ministerial têm acesso limitado a informação sobre a agenda política.
A reunião, que se realiza a cada cinco anos, serve sobretudo para reorganizar o Comité Central do Partido, o Politburo e o Comité Permanente do Politburo, a cúpula do poder na China.
Outro dos ‘pratos fortes’ do evento são as prioridades e linhas gerais para os próximos cinco anos. Isto é importante para detetar possíveis mudanças políticas, como, por exemplo, a posição de Pequim na questão de Taiwan ou o futuro da política de ‘zero casos’ de covid-19.
“No final, perceber quem sai e quem entra no Politburo deixou de ser tão relevante como era há dez ou quinze anos”, argumenta Johnson. “Xi vai continuar a ser a única voz significativamente responsável pela direção política”.