Em entrevista à ANGOP, a propósito da participação da sociedade civil na elaboração e execução do OGE, o especialista advogou ainda a necessidade de os decisores terem a ética como pilar fundamental para superar as lacunas desse instrumento de planificação financeira.
Segundo o entrevistado, “o processo de auscultação sobre o OGE é quase nulo no que se refere aos resultados, na medida em que “as propostas da sociedade civil são sistematicamente rejeitadas, por razões diversas, continuando a verificar-se situações aberrantes”.
A inclusão dos cidadãos na elaboração e execução do OGE é uma iniciativa do Executivo angolano, iniciada em 2019, para dar voz a várias classes sociais, a fim de se melhorar a previsão das receitas e despesas anuais deste documento, medida aplaudida por Fernando Pacheco, um dos pioneiros e membro da Acção para o Desenvolvimento Rural e Ambiente (ADRA).
ANGOP – Como avalia a participação da sociedade civil no processo de elaboração e execução do Orçamento Geral do Estado (OGE) em Angola?
Fernando Pacheco (FP) – Apesar das dificuldades enfrentadas, algumas organizações da sociedade civil não desistem de influenciar o processo de elaboração, discussão e execução do OGE.No que respeita à elaboração, a recente decisão de auscultação do OGE participativo é uma consequência dessa insistência.
ANGOP – Esse processo de auscultação iniciou-se em 2019. Sente que as contribuições da sociedade civil foram tidas em conta na elaboração e execução do OGE/2020, por exemplo?
FP – Os valores em jogo nesse orçamento ainda são irrisórios, mas o importante é a janela de oportunidade que se entreabriu, constituindo-se num incentivo para prosseguir a luta.
ANGOP – Qual é, para si, o real impacto da participação da sociedade civil no OGE?
FP – Quanto à discussão, os progressos são mais antigos em termos de participação, mas quase nulos no que se refere aos resultados, uma vez que as propostas são sistematicamente rejeitadas, por razões diversas, continuando a verificar-se situações aberrantes em vários sectores.
No acompanhamento à execução, os resultados são ainda mais exíguos, na medida em que ninguém controla, verdadeiramente, a execução, com os resultados negativos que se conhecem.
ANGOP – Comparativamente ao OGE elaborado sem a participação da sociedade civil, que vantagem traz o novo modelo de elaboração desse instrumento de planificação financeira?
FP – O novo modelo diz respeito apenas ao orçamento participativo, que é uma parte insignificante do total da despesa.
ANGOP – Falando em despesas, permita-nos pedir-lhe uma análise crítica ao orçamento destinado ao sector social, nos últimos dois anos, em Angola.
FP – A exemplo do que acontece há anos, não reflectem as necessidades do país. Políticas adequadas para o sector social exigem verbas que estejam em correspondência. Há muita coisa que tem de mudar em termos de satisfação de tais necessidades. Por exemplo, não consigo aceitar que se continue a subvencionar os combustíveis do modo que se faz, à custa do desenvolvimento empresarial e da criação de empregos.
ANGOP – Na qualidade de engenheiro agrónomo, como avalia o orçamento alocado ao sector da Agricultura? O que deve ser melhorado para acelerar o processo da diversificação económica?
FP – Há décadas que os líderes africanos se recomendam a si próprios a canalização de 10 por cento dos seus orçamentos anuais para o desenvolvimento da agricultura, mas o número de países cumpridores não tem expressão.
No nosso caso, conhecemos durante anos uma diminuição acentuada de 5 ou 6 % para pouco mais de 1%. Nos dois últimos anos subiram um pouco, mas sem chegar a 2%. Assim, não faz sentido falar de diversificação da economia.
ANGOP – O que deve ser melhorado na actual forma de elaboração e execução do OGE?
FP – Resumo em três ou quatro palavras: bom senso, integridade, competência e patriotismo.
ANGOP – O que se espera do OGE/2022, tendo em conta a realização das eleições gerais?
FP – É comum e natural que os governos em exercício procurem capitalizar os períodos eleitorais para conseguirem bons resultados para os partidos no poder. Mas isso deve ter limites de ética. O que se vê em 2021 faz antever que o país vai endividar-se ainda mais, numa altura em que a dívida já é sufocante. Muito do que se faz e se prevê fazer pode ser importante, mas pode não ser necessário e muito menos prioritário.
ANGOP – Qual é a sua opinião em relação à rubrica designada “Reserva Especial”, que visa reservar dinheiro/orçamento, através do OGE, para a realização das eleições autárquicas?
FP – Não conheço bem o assunto. Confesso que não percebo porque é necessária uma “Reserva Especial”, para algo que vem sendo adiado há tantos anos…
Angop