Dois anos após as denúncias feitas pelo Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ) do escândalo “Luanda Leaks”, pouco se sabe sobre as investigações em curso em Portugal a propósito das transações suspeitas com origem em Angola e Isabel dos Santos, então considerada a mulher mais rica de África.
Karina Carvalho, diretora executiva da ONG Transparência e Integridade (Portugal), diz, em declarações à DW, que “não há informação consistente” sobre o andamento dos processos judiciais.
“Para nós, isso é um problema porque se parte do pressuposto que os processos de recuperação de ativos nada têm que ver com as pessoas. Portanto, que a população e as organizações não têm que estar informadas. Nunca tivemos resposta às cartas que enviámos ao Banco de Portugal a propósito das auditorias ao EuroBic”, lamenta.
O banco EuroBic tinha Isabel dos Santos como um dos principais acionistas.
“A montanha vai parir um rato”?
A organização não-governamental, que acaba de lançar uma nova campanha sobre a recuperação de ativos, também solicitou informação à Bolsa de Valores de Lisboa (CMVM) sobre as auditorias envolvendo o referido banco, mas, de igual modo, nunca obteve resposta.
“É uma pena que, ao fim de dois anos desde que eclodiu o escândalo ‘Luanda Leaks’, as pessoas até quase que esquecem aquilo que se passou, esquecem aquilo que está em causa. Depois, não se avalia o impacto que estes esquemas obscuros, estes negócios-fantasma, têm também em Portugal”, critica Karina Carvalho.
A responsável defende que “era importante que se soubesse mais [sobre tais processos na Justiça portuguesa], porque ficamos todos com a sensação que, ao fim de dois anos, a montanha vai parir um rato”.
PGR confirma investigações
De acordo com a Justiça portuguesa, estão em causa os crimes de corrupção, branqueamento de capitais, fraude fiscal e falsificação de documentos, entre outros.
É por isso que Karina Carvalho defende que os processos deviam ser do domínio público, apesar da sua complexidade e das limitações do segredo de justiça . “Pelo menos, [deveria ser divulgada] informação sobre que processos é que correm, em que fase é que eles se encontram, de que modo é que está a ser feita a articulação com as autoridades judiciárias angolanas”.
“Quanto mais não seja”, isso serviria para “criar nos cidadãos confiança”, refere a diretora executiva da Transparência e Integridade.
A Procuradoria-Geral da República (PGR) confirmou à DW “a existência de investigações, em inquérito”.
Porém, informa que “tais investigações decorrem sujeitas a segredo de justiça (interno e externo), em Portugal”. Por outro lado, sublinha que “o valor de 13 mil milhões de dólares, relativo à recuperação de ativos” – que foi anunciado no final do ano passado pelo Estado angolano – “diz respeito apenas à atividade processual do Ministério Público – Procuradoria-Geral da República de Angola”, pelo que não comenta.
Solicitámos esclarecimentos junto do Gabinete de Recuperação de Ativos do Departamento de Cooperação Judiciária e Relações Internacionais, mas até então não obtivemos qualquer resposta.
“Silêncio em Angola é mais estranho que o silêncio português”
O silêncio não surpreende o professor de Direito Rui Verde.
“O facto de não haver novidades sobre os processos de Isabel dos Santos apenas reflete a normalidade dos processos complexos em Portugal. São lentos, são uma espécie de submarinos que andam debaixo do mar; de vez em quando emergem com grande barulho e depois voltam a um grande silêncio”, critica.
Para o jurista, “o significado do silêncio em Angola é mais estranho do que o silêncio português. Por alguma razão, a PGR angolana não quer avançar muito com o processo em relação a Isabel dos Santos. Se repararmos, a parte criminal do processo nem sequer avançou.”
“Isto quer dizer que deve haver uma espécie de tréguas judiciais, talvez até às eleições ou talvez à espera de algum fenómeno que desconhecemos, mas tem um significado. Isto ainda é uma interrogação”.
Por seu lado, Karina Carvalho, da Transparência e Integridade, reconhece que as operações para a recuperação de capitais ilícitos são longas e demoradas, mas avisa que “é tempo das autoridades portuguesas e angolanas fazerem um ponto de situação sobre aquilo que se está a passar relativamente aos processos envolvendo a empresária Isabel dos Santos”.