A Assembleia Nacional aprovou, no dia 11 do corrente mês, a Lei da Reprodução Humana Medicamente Assistida, para permitir que casais com problemas de engravidar, realizem o sonho de terem filhos, sem precisar sair do país. Dados do Ministério da Saúde indicam que existam no país mais de um milhão de casais com dificuldades de procriar. Em entrevista ao Jornal de Angola, o médico Pedro de Almeida, especialista em Ginecologia/Obstetrícia e Medicina Reprodutiva, fala dos benefícios da Lei ora aprovada
Que benefício trará a Lei de Reprodução Medicamente Assistida para os casais? Os casais, que pelas mais variadas razões, não conseguem ter filhos por via natural, poderão recorrer às novas tecnologias reprodutivas previstas e reguladas pelas autoridades sanitárias do país. Ou seja, essa lei vai permitir às mulheres e aos homens, com dificuldade de procriação natural, terem filhos.
Quem de facto está apto para fazer este procedimento? A aplicação das técnicas de reprodução assistida será realizada por profissionais de saúde com competência e capacidade reconhecidas pelas autoridades reguladoras, no caso o Ministério da Saúde e o Comité de Ética sobre a Reprodução Humana Medicamente Assistida. Em cada unidade de reprodução humana assistida, serão constituídas equipas multidisciplinares de Medicina, Enfermagem, embriologia, Psicologia e áreas afins.
Inseminação e fertilização são a mesma coisa ou existe diferença? E como funcionam? A inseminação artificial e fertilização in vitro ou fecundação laboratorial são duas técnicas usadas em situações em que os casais têm dificuldades de engravidar por métodos naturais. A inseminação artificial é uma técnica de baixa complexidade e a fertilização in vitro uma técnica de alta complexidade. Para se ter uma ideia da diferença entre as duas técnicas, é importante reter o seguinte: primeiro, na inseminação, o sémen é introduzido no útero da mulher para a fecundação natural, que ocorre numa das trompas da mulher durante o período fértil; segundo, o espermatozoide introduzido no útero movimenta-se e progride em direcção à trompa, onde se aloja o óvulo saído do ovário; terceiro, a junção do espermatozoide com o óvulo origina o zigoto, que designamos de fertilização ou fecundação.
E a fertilização in vitro? A fertilização in vitro ou fecundação laboratorial é uma técnica mais sofisticada em que são retirados os folículos maduros que contêm óvulos dos ovários da mulher e levados ao laboratório. É aqui que se processa a junção do óvulo com o espermatozoide, para originar igualmente o zigoto. O processo de fecundação em vez de ocorrer na trompa, como acontece na inseminação artificial, vai ter lugar no laboratório com a ajuda dos técnicos biomédicos, chamados embriologistas.
Quanto tempo leva para o embrião ser colocado no útero da mulher? Após três ou cinco dias na incubadora laboratorial, o embrião resultante do amadurecimento do ovo ou zigoto é transferido para o útero da mulher pelo médico especialista em Medicina Reprodutiva, designado fertileuta.
Antes de ser feita uma reprodução medicamente assistida, a mulher deve obrigatoriamente, passar por exames médicos, ou o casal deve fazê-lo junto? Para a realização do tratamento, tanto a mulher como o homem devem realizar exames complementares específicos, indicados pelo médico assistente, com base num protocolo previamente estabelecido.
Quais são as doenças que podem afectar o sucesso de uma reprodução medicamente assistida? São múltiplas as doenças ou factores que podem condicionar o tratamento, nomeadamente as que estão ligadas ao aparelho reprodutor do homem e da mulher. No homem, por exemplo, há problemas associados com a produção dos espermatozoides em qualidade e quantidade desejáveis. Nas mulheres há situações condicionantes relacionadas com o próprio útero, com a existência de miomas, pólipos e cicatrizes nos ovários, com a escassez de óvulos ou quando estes não têm a qualidade desejada.
Há condições técnicas e humanas para a realização da reprodução medicamente assistida em Angola? Do ponto de vista de recursos humanos, técnicos e materiais, já existem as condições mínimas para a aplicação das técnicas de reprodução humana assistida. É importante sublinhar que algumas unidades sanitárias do sector privado em Luanda já vinham realizando estas actividades há mais de cinco anos, mas que foram interrompidas.
E foram interrompidas porquê? Foram interrompidas por falta de legislação. Mas perspectivamos que, dentro de dois anos, as unidades públicas e privadas possam desenvolver esforços no sentido de terem condições técnico-materiais e recursos humanos para os centros de reprodução humana medicamente assistida que serão estabelecidos não só em Luanda, mas também no resto do país. Não será demais lembrar, que o tratamento da infertilidade com as novas tecnologias reprodutivas vai obedecer a regras ou regulamentos que serão estabelecidos pelo Ministério da Saúde.
Em média, quanto custa uma reprodução medicamente assistida no exterior? Tendo em conta as informações disponíveis, o tratamento da infertilidade no exterior custa entre seis a dez mil dólares.
Em Angola quanto deve custar esse procedimento em função da nossa realidade económica? Em razão dos preços cobrados no exterior e com base na actual cotação da moeda nacional, estima-se que o tratamento poderá custar entre dois milhões e meio e três milhões e meio de Kwanzas. O maior peso para o custo do tratamento recai para a estimulação dos ovários e indução da ovulação, que requer a utilização de medicamentos específicos, que são hormonas produzidas pelos grandes laboratórios da indústria farmacêutica.
Caso esse procedimento médico não seja devidamente fiscalizado, que riscos podem advir? Das informações que disponho, haverá um órgão fiscalizador específico para as actividades da reprodução humana medicamente assistida, não só para o pessoal técnico, mas também para as infra-estruturas e equipamentos que serão permanentemente monitorizadas, visando as boas práticas dos serviços de saúde prestados à população. Há que ter-se em conta a possibilidade da responsabilização criminal para quem violar as normas estabelecidas.
Mulheres solteiras que apenas querem ter filhos, poderão aderir a este processo? Claro que sim. Este segmento da nossa população, que não é nada pequeno, está contemplado na Lei ora aprovada.
A Lei incluiu também a criação de um banco de gâmetas e barrigas de aluguer? As informações que disponho indicam que a Lei é bastante abrangente e as situações que refere estão contempladas. Estão previstos os bancos de gâmetas (óvulos e espermatozoides) e bancos de embriões com a utilização da tecnologia de criopreservação ou congelamento, que permite guardar e conservar os produtos biológicos por muitos anos, sobretudo os excedentários.
E sobre a barriga de aluguer, a nova lei contempla? A situação designada barriga de aluguer ou útero de substituição também está contida na Lei e certamente irá beneficiar muitas mulheres e casais que pelas mais diversas razões não dispõem de condições para albergar o produto da concepção no útero.
E quem serão as principais beneficiárias? As potenciais beneficiárias são as mulheres em idade reprodutiva e que foram submetidas à histerectomia, que é a operação em que se retira o útero como forma de salvação da vida.
Quantos filhos o casal pode ter caso recorra à reprodução humana assistida? Utilizando a reprodução humana medicamente assistida, o casal pode e deve ter os filhos consoante as suas capacidades sócio-económicas, porque esse tipo de tratamento tem custos e o bem-estar da família deve ser devidamente acautelado.
Quais são as unidades hospitalares que estarão aptas para atenderem esses casos? As unidades hospitalares, como se faz em outras partes do mundo, só poderão realizar o tratamento, aplicando as novas tecnologias reprodutivas, após a aprovação e autorização dos órgãos competentes que serão criados para o efeito.
Existe uma idade limite para se fazer a reprodução humana medicamente assistida? É consenso dos peritos em Medicina Reprodutiva, a nível internacional, que as mulheres tenham a oportunidade de procriar até aos 50 anos, utilizando as tecnologias reprodutivas de alta complexidade, como a fertilização in vitro ou fecundação laboratorial. A Lei sobre Reprodução Humana Medicamente Assistida permite que mulheres com mais de 40 anos possam beneficiar do processo de tratamento.
No caso de mulheres que várias vezes já foram diagnosticadas com miomas uterinos ou quisto no ovário, qual deve ser o procedimento? As mulheres diagnosticadas com miomas podem beneficiar do tratamento em reprodução assistida, desde que estes tumores benignos não constituam obstáculo para a implantação, desenvolvimento e crescimento do concepto (bebé) no útero.
Caso se verifique o contrário? Se se verificar que o mioma no útero ou um quisto no ovário tem dimensões que possam pôr em causa uma eventual gravidez, a orientação é que se realize a operação para a retirada do mioma ou do quisto antes da mulher engravidar. Sabe-se, pois, que o mioma é o tumor benigno mais frequente no útero das mulheres de raça negra, mas nem sempre é impeditivo para uma gravidez saudável. A maior parte das mulheres consegue engravidar e ter filhos, mesmo sendo portadora de miomas.
Estando esta lei a vigorar no país, as mulheres podem adiar por mais tempo a maternidade caso tenham outras prioridades? A história e desenvolvimento da reprodução humana medicamente assistida está associada ao facto de as mulheres nos países desenvolvidos adiarem a maternidade por motivo de estudo e a participação no processo produtivo. E no nosso país, esta tendência já é uma realidade, principalmente nos centros urbanos, onde as mulheres adiam o desejo de maternidade para depois de 30 ou mais anos, quando a sua capacidade reprodutiva se encontra reduzida. Perante este tipo de situações, fica subjacente que a reprodução humana medicamente assistida poderá de facto provocar maior adiamento na realização da maternidade de muitas jovens mulheres angolanas, que mais tarde e com idade já avançada, depois de alcançarem a estabilidade na vida recorrerão às novas tecnologias reprodutivas para concretizarem o sonho de serem mães.
JA