Por: Agostinho Canando – Advogado estagiário, docente, autor e empreendedor

Falar em evolução da legislação laboral em Angola é automática, mas não necessariamente falar da lei geral do trabalho, sem olvidar as outras leis conexas com o fim de regular as relações jurídico-laborais que se constituem por via do contrato de trabalho.
Não se pode levantar a possibilidade de falar de outras de outras normas jurídico-laborais sem fazer menção, em primeiro lugar, à lei geral do trabalho e do mesmo modo que a lei geral do trabalho não é o único instrumento legal regulador da actividade laboral, mas o presente artigo deverá cingir-se mais na vertente da lei geral do trabalho, ficando as outras legislações relegadas para assuntos e artigos posteriores.
A lei geral do trabalho é, ainda assim, o principal documento legal afecto ao Direito do Trabalho, assim como o código penal está para o Direito Penal, o código de processo civil está para os ramos do Direito Civil.

“Oito anos depois da saída do sistema concentrado para o sistema de mercado, a República de Angola experimentou outra lei geral do trabalho que durou 19 anos de vigência. Assim, a segunda lei geral do trabalho foi aprovada no ano de 2000, por via da lei nº 2/00 de 11 de Fevereiro”

Desta feita, importa fazer uma análise histórica do surgimento da lei geral do trabalho para que se compreenda o estado da arte quando o assunto é o entendimento da lei geral do trabalho.
Em Novembro de 1975 com a proclamação da independência da República de Angola, o país teve a primeira lei constitucional que começou a vigorar a partir da data daquela data. Além da lei mãe, havia a necessidade de Angola ter um ordenamento jurídico completo.
Nesta ordem de ideias, em termos de legislações foram sendo aprovadas várias leis que versavam diversas matérias, sendo uma delas a que abordava as relações jurídico-laborais. Por conta da tipologia de governo e de sistema económico que vigorava na altura, as relações laborais eram mais caracterizadas por uma forte ligação ao poder estatal (público), já que não se vislumbrava a possibilidade d’os privados serem detentores de empresas. Com isso toda a relação laboral era guiada pelo poder público e, portanto pelo, pelas normas administrativas da função pública.
Depois de experimentado o sistema mono-partidarista em termos políticos e comunista em termos económicos, aos poucos foi-se pensando na possibilidade de sair deste sistema para outro, a saber, a democracia e o capitalismo.
Neste espírito foram aprovadas várias legislações de diferentes índoles e com ela a lei geral do trabalho, por via da lei nº 9/81 de 02 de Novembro. Esta, ainda de cariz comunista, vigorou o tempo que devia vigorar. Era ponto assente que devia ser alterada já a partir de 1992 em diante, já que ela não mais respondia com os propósitos daquele tempo histórico.
Oito anos depois da saída do sistema concentrado para o sistema de mercado, a República de Angola experimentou outra lei geral do trabalho que durou 19 anos de vigência. Assim, a segunda lei geral do trabalho foi aprovada no ano de 2000, por via da lei nº 2/00 de 11 de Fevereiro.
Em termos de duração ou vicissitudes do contrato de trabalho, continha um figurino de “contrato de trabalho por tempo indeterminado” como regime regra. É o que se pode perceber da letra do artigo 14º da Lei nº 2/00 de 11 de Fevereiro, a que passamos a citá-lo na íntegra:
  • • O contrato de trabalho é celebrado em regra por tempo indeterminado integrando o trabalhador no quadro do pessoal permanente da empresa.
  • • O contrato de trabalho pode ser celebrado por tempo determinado para execução duma obra ou serviço determinado e é obrigatoriamente reduzido a escrito, incluindo, para além das menções a que se refere a nº 3 do artigo 13º, a indicação precisa do seu termo ou das condições a que este fica sujeito, bem como das razões determinantes da contratação por tempo determinado.
  • • Na falta de forma escrita ou das menções exigidas no número anterior, o contrato considera-se por tempo indeterminado, salvo nas situações que se refere o nº 3 do artigo seguinte.
  • • Salvo disposição expressa em contrário, aos trabalhadores contratados por tempo determinado aplicam-se todas as disposições legais ou convencionais relativas à prestação de trabalho por tempo indeterminado.
  • • 5. São proibidos os contratos celebrados por toda a vida do trabalhador.

“O que se deve ter em conta é que o Direito do Trabalho surge para proteger a parte mais fraca na relação jurídico-laboral, de acordo com o princípio do proteccionismo”

Tal como se viu, a primeira regra é a da indeterminabilidade do contrato de trabalho, sendo que o contrato de trabalho por tempo determinado era uma faculdade que assistia às partes.
Na lei geral do trabalho de 2015, aprovada pela lei nº 7/15 de 15 de Junho consta o regime regra da duração do contrato do trabalho o contrato por tempo determinado, nos termos do nº 1 e 2 do artigo 17º, segundo o qual o contrato do trabalho por tempo determinado pode ser renovado de forma sucessiva por períodos e iguais ou diferentes até ao limite máximo de
anos (entenda-se para as grandes empresas) e até ao limite máximo de 10 anos para as micro, pequenas e médias empresas.
O nº 3 do mesmo artigo refere que depois de ultrapassados os limites máximos constantes dos nºs 1 e 2 do mesmo só assim o trabalhador passa a ver o seu contrato de trabalho por tempo determinado para um contrato de trabalho por tempo indeterminado, passando então a fazer parte do quadro do pessoal permanente da instituição empregadora.
No momento da escrita do presente artigo, está na forja a aprovação de uma nova lei geral do trabalho que substituirá a lei nº 7/15 de 15 de Junho, o que significa que em menos de 10 anos teremos mais uma Lei Geral do Trabalho e veremos depois o que ela trará em termos de direitos e deveres das partes na relação jurídico-laboral, mais especificamente em relação ao trabalhador.
O que se deve ter em conta é que o Direito do Trabalho surge para proteger a parte mais fraca na relação jurídico-laboral, de acordo com o princípio do proteccionismo. A colocação em prática deste princípio permite que a entidade empregadora tenha sim os seus poderes perante o trabalhador, mas sem os excessos até porque a parte hipossuficiente, ou seja, a parte que não consegue em princípio suster-se é o trabalhador, uma vez que o empregador detém o poderio financeiro dificilmente poderá haver uma igualdade do tratamento entre o trabalhador e o empregador.

“Tal significa que é necessário verificar todos os pontos positivos das anteriores leis gerais do trabalho, aumentá-los e corrigi-los na nova lei geral do trabalho para que os direitos, liberdades e garantias fundamentais dos cidadãos enquanto trabalhador continuem a ser respeitados e, acima de tudo, aplicados”

Nestes moldes, colocar como regime-regra o contrato do trabalho por tempo determinado e depender da vontade das partes para que o trabalhador continue com a sua empregabilidade nos conformes seria colocá-lo já de antemão numa posição desvantajosa.
Aliás fazendo menção do artigo 198º da Lei Geral do Trabalho, aprovada pela Lei nº 7/15 de 15 de Junho, conseguimos notar que existe o princípio da estabilidade no emprego; este princípio choca directa ou indirectamente com o regime regra no que toca a duração do contrato do trabalho previsto no artigo 17º do mesmo diploma legal.
Se estamos a evoluir até o ponto de tirarmos do trabalhador os direitos adquiridos desde o ano de 1981 e 2000 estamos a regredir com passos muito significativos no que respeita ao princípio da dignidade da pessoa humana, nomeadamente a dignidade do trabalhado, até porque o trabalho dignifica o homem, dignidade esta que não poderá ser vista se os seus direitos forem sempre diminuídos ou coarctados.
Está-se, portanto, diante de uma evolução moribunda das normas laborais constantes da Lei Geral do Trabalho, que poderá levar não apenas ao descalabro dos direitos, liberdades e garantias fundamentais dos cidadãos enquanto o trabalhador, mas também trará um movimento frenético no mundo da empregabilidade em Angola, sendo que os empregadores poderão ter a liberdade de desfazer-se de um trabalhador mesmo sem justa causa e os trabalhadores andarão de empresa em empresa sem fazer carreira em determinada empresa por culpa do poder legislativo firmado na República de Angola.
Tal significa que é necessário verificar todos os pontos positivos das anteriores leis gerais do trabalho, aumentá-los e corrigi-los na nova lei geral do trabalho para que os direitos, liberdades e garantias fundamentais dos cidadãos enquanto trabalhador continuem a ser respeitados e, acima de tudo, aplicados.