O Brasil não cumpre integralmente os padrões mínimos para a eliminação do tráfico humano, mas está a fazer esforços significativos para resolver o problema, revelou um relatório do Departamento de Estado norte-americano.
03/07/2021 ÚLTIMA ATUALIZAÇÃO 05H00
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O relatório sobre Tráfico Humano de 2021, apresentado esta semana, em Washington, pelo Departamento de Estado norte-americano, consultado pela agência Lusa, destacou que o Brasil “demonstrou esforços crescentes em geral, em comparação com o período do relatório anterior, considerando o impacto da pandemia de Covid-19, e sua capacidade de combate ao tráfico”.
Segundo os Estados Unidos da América (EUA), os esforços brasileiros incluíram a obtenção de condenações finais de traficantes sexuais e condenações iniciais para seis traficantes que exploram trabalho escravo, bem como o desenvolvimento de uma nova orientação abrangente para identificar e fornecer assistência a vítimas de trabalho escravo.
No entanto, o relatório frisou que o Governo brasileiro não cumpriu os padrões mínimos em várias áreas-chave e não informou o início de novos processos contra o trabalho forçado.
Além disso, o documento informou que as autoridades brasileiras continuaram a punir a maioria dos traficantes de mão-de-obra com penas administrativas, em vez de prisão, que não serviram como um impedimento efectivo, nem proporcionaram justiça às vítimas.Os mecanismos de identificação e protecção das vítimas, incluindo serviços de abrigo, permaneceram inadequados e variaram substancialmente nos estados brasileiros.
“O Governo (do Brasil) investigou e processou menos traficantes e não ofereceu treinamento suficiente a polícias, promotores e juízes, a fim de aumentar a capacidade de resposta ao tráfico”, destacou o Departamento de Estado norte-americano.”O Governo penalizou as vítimas de tráfico por crimes cometidos como resultado da sua situação de tráfico, e as autoridades em estados populosos não identificaram proactivamente as vítimas de tráfico sexual, inclusive entre populações altamente vulneráveis, como crianças, acrescentou. O documento também cita que as autoridades brasileiras não relataram um novo processo criminal que seja por trabalho escravo em 2020.
“O Governo relatou 512 processos de tráfico em andamento (seis por tráfico sexual e 506 por trabalho escravo) em tribunais de primeira e segunda instâncias. Em 2020, o Governo relatou três condenações finais por tráfico, de acordo com um estatuto relacionado que criminaliza a facilitação do tráfico de pessoas, não confirmou se se tratava de condenações por tráfico de sexo ou de trabalho, nem forneceu detalhes sobre a duração das sentenças que os traficantes receberam”, destacou o relatório.
O Governo brasileiro relatou que identificou e forneceu serviços de protecção a 494 potenciais vítimas de tráfico humano, mas forneceu dados parciais de identificação das vítimas de um subconjunto de registos das agências federais.
Em 2020, as autoridades brasileiras de fiscalização do trabalho realizaram diligências em 266 empresas e identificaram 942 vítimas de exploração do trabalho. No entanto, o Brasil não especificou quantas dessas vítimas experimentaram trabalho forçado ou escravo, ao contrário de outras formas de exploração, contrariando as normas definidas pelo Direito Internacional.
O relatório salienta ainda relatos sobre problemas registados durante o confinamento devido à Covid-19, quando os traficantes de pessoas na Amazónia brasileira mudaram os padrões, enviando crianças vítimas de tráfico sexual para os aposentos privados dos perpetradores ou locais específicos, em vez dos lugares habituais onde as crianças eram vendidas aos perpetradores.
Além de fazer uma análise detalhada sobre problemas encontrados no Brasil, o Governo norte-americano também fez algumas recomendações ao Brasil, como, por exemplo, oferecer abrigo e assistência especializada às vítimas de tráfico sexual e trabalho forçado e a promoção de acções para identificar proactivamente os casos de tráfico sexual, incluindo turismo sexual infantil.
Entre as recomendações, destaca-se também que o país deveria alterar leis e “melhorar os esforços de coordenação entre agências federais e estaduais, para combater o tráfico, inclusive entre as autoridades das polícias, além de desenvolver um protocolo de identificação de vítimas para os encarregados da aplicação da lei sobre indicadores de tráfico e identificação proactiva de vítimas e treiná-los quanto ao seu uso”.
Moçambique tem os “mínimos” por cumprir
Moçambique “não cumpre integralmente os padrões mínimos para a eliminação do tráfico de pessoas, mas está a esforçar-se para o fazer”, refere um relatório da Administração dos Estados Unidos da América (EUA).
Moçambique está no nível dois (que abrange a maioria dos países, incluindo Portugal) dos quatro existentes, em que o primeiro agrega os progressos mais notórios, mas do qual não consta nenhum país lusófono, de acordo com o relatório sobre o tráfico humano no mundo.”O Governo (moçambicano) demonstrou maiores esforços em comparação com o relatório anterior, considerando o impacto da pandemia de Covid-19”, mas não o suficiente para subir do nível 2, lê-se no relatório sobre Tráfico Humano de 2021, do Departamento de Estado norte-americano, consultado pela Lusa.
“Esses esforços incluíram processar todos os casos identificados de tráfico, treino de funcionários, realização de campanhas de conscientização e actualização de procedimentos”, refere-se. No entanto, os EUA consideram que o Governo “não cumpriu” em “várias áreas-chave”.
O relatório nota que o Governo “investigou e processou menos casos de tráfico, condenou menos traficantes e não identificou proactivamente as vítimas de tráfico, além daquelas representadas em processos criminais” – e estes são também pontos sobre os quais incidem as recomendações.
O Governo investigou seis potenciais casos de tráfico em 2020, dos quais dois foram confirmados – o de um menor sujeito a trabalhos forçados e outro de uma mulher moçambicana explorada em tráfico sexual na Tanzânia -, envolvendo dois traficantes suspeitos, em comparação com 13 investigações e oito casos confirmados em 2019, segundo o documento. Moçambique manteve “esforços mínimos de protecção às vítimas”, acrescenta.
O Governo identificou as duas vítimas relativas aos dois casos confirmados, uma diminuição significativa, em comparação com 22 vítimas identificadas no período relativo ao relatório anterior.O perfil do país mantém-se “conforme relatado nos últimos cinco anos”, ou seja, com traficantes a explorar “vítimas estrangeiras em Moçambique” e “vítimas moçambicanas no exterior”.
O tráfico sexual infantil “é uma preocupação crescente nas cidades de Maputo, Beira, Chimoio, Tete e Nacala, que têm populações de grande mobilidade e muitos motoristas de camiões”, nota o documento, sem mais detalhes.Por outro lado, “o trabalho infantil forçado ocorre na agricultura, minas e mercados em áreas rurais, muitas vezes com a cumplicidade das famílias”.
Os traficantes “atraem migrantes voluntários, especialmente mulheres e meninas de áreas rurais, de países vizinhos para cidades em Moçambique ou da África do Sul, com promessas de emprego ou educação”, mas que levam à “servidão doméstica e tráfico sexual”.
Guiné-Bissau baixa de nível
A Guiné-Bissau baixou de nível dois para três no combate contra o tráfico de seres humanos, refere o relatório do Departamento de Estado norte-americano, considerando que o Governo não cumpre os padrões mínimos.”O Governo da Guiné-Bissau não cumpre integralmente os padrões mínimos para a eliminação do tráfico e não está a realizar esforços significativos para o fazer, mesmo considerando o impacto da pandemia da Covid-19”, refere o relatório sobre tráfico de seres humanos do Departamento de Estado.
Por isso, o relatório dos EUA salienta que a Guiné-Bissau baixou para o nível três. O documento coloca os países em três níveis, sendo que no primeiro constam os Estados que têm em consideração os padrões mínimos da lei norte-americana para a protecção de vítimas de tráfico e os do nível três incluem os que não cumprem quaisquer padrões.
Os do nível dois incluem os países que não cumprem os padrões, mas estão a fazer esforços. Apesar de baixar o nível, o Departamento de Estado dos EUA reconhece que as autoridades tomaram “algumas medidas para resolver o tráfico”, incluindo mais investigações para identificar crianças obrigadas a mendigar.O relatório salienta que as autoridades nunca condenaram um traficante e que o Governo não tem procedimentos formais para identificar e proteger as vítimas.
“O Governo continua a não ter recursos e vontade política de combater de forma abrangente o tráfico de seres humanos”, sublinha o documento.O Departamento de Estado norte-americano recomenda que a Guiné-Bissau aumente os esforços para investigar e condenar traficantes, incluindo os falsos professores corânicos, que “obrigam meninos a mendigar”, e funcionários de hotéis, que “facilitam o turismo sexual infantil nos Bijagós”.
No relatório, é pedido que a Guiné-Bissau condene traficantes e que “deixe os remédios extrajudiciais ou administrativos” para resolver o tráfico de seres humanos.É recomendado também que funcionários públicos envolvidos nas questões de tráfico sejam responsabilizados, quer por cumplicidade, quer por falhas na investigação e interferência.
O relatório sublinha ainda a necessidade de fornecer recursos para a actuação da Polícia Judiciária, nomeadamente, nos Bijagós e em Catió, no Sul do país, formação de profissionais e apoio em financiamento e em espécie às Organizações Não-Governamentais, que apoiam as vítimas de tráfico.
Para o Departamento de Estado norte-americano, a Guiné-Bissau deve também “aumentar significativamente os esforços” para consciencializar o público sobre o tráfico de seres humanos, especialmente a mendigagem e exploração sexual de crianças.