Pânico total. “Por favor liguem a energia!!!”, gritava aterrorizada Sabrina Bernardo. A maternidade ficou sem energia eléctrica, justamente na hora em que a mulher, de 22 anos, entrou em trabalho de parto. Nascia o seu segundo filho.
Com as mãos calçadas de luvas hospitalares borradas de sangue, parteiras e a médica em serviço agarraram nos seus telemóveis. Ligaram as lanternas. “Pronto. Já temos iluminação suficiente para concluirmos o trabalho”, atirou um dos técnicos.
Poucos minutos depois, a criança nasceu saudável e chorava muito. “É um rapaz. Estás de parabéns senhora”, disse uma técnica à parturiente, que andou mais de dois quilómetros a pé, do seu local de residência até à maternidade do centro médico da Bela Vista, no município de Ambriz, na província do Bengo.
“O meu filho vai ser forte como o pai. Ele ainda é pequeno, mas já dá para ver que vai ser muito parecido com o Jorge”, sublinha Sabrina, cujo marido, apesar de ser ainda muito jovem (25 anos), tem fama de ser grande produtor de mandioca, ginguba e mamão.
Antes do menino nascer, o marido de Sabrina estava quase a perder a paciência. Sentado num dos bancos, no átrio, o pai da criança não sabia nada do que se passava lá dentro. Roía as unhas enquanto ouvia a mulher gritar de dor. De repente Sabrina calou-se para dar lugar ao filho. “A minha mulher parou de gritar. O bebé que está a chorar só pode ser meu filho. Já nasceu”, disse Jorge à sogra, que estava sentada no chão com o primogénito do casal ao colo.
Logo à entrada do centro, numa quarta-feira, a enfermeira estagiária Marta Mateus, de 21 anos, atendia muitos pacientes. Eram maioritariamente crianças dos zero aos oito anos. Só das 7h00 às 17h00, registou 47 pessoas.
“O trabalho, aqui na triagem, não é muito difícil. Os pacientes são compreensíveis. Colaboram muito bem”, disse a jovem mulher, que aguarda ansiosa pelo próximo Concurso Público de Acesso, para ser enquadrada no sector da Saúde, na comuna da Bela Vista ou noutras localidades da província do Bengo.
“A minha prioridade é trabalhar aqui. Mas sinto-me preparada para actuar em qualquer região da província, onde for colocada”, garantiu, antes de acomodar a paciente Neusa Francisco, de 20 anos, que foi levada de emergência à unidade sanitária, depois de cair na rua e perder muito sangue.
Os familiares de Neusa explicaram à equipa de enfermeiros em serviço, que a mulher caiu quando transportava água do chafariz para casa, numa distância de 800 metros.
“Se ela passar à noite aqui, também farei o mesmo. Depois vou ter com alguns dos meus familiares que vivem aqui próximo, para prepararem um pouco de comida para ela”, disse o marido (Manuel Lopes) que trabalha como protecção física numa empresa de segurança.
Centro precisa de gerador
Antes de ter sido reinaugurado, em Julho do ano passado, pela governadora Mara Quiosa, o centro médico da Bela Vista sofreu obras profundas de reabilitação e ampliação. As duas novas estruturas erguidas no espaço que compreende a unidade sanitária são, exactamente, a maternidade e a área onde funcionam agora os serviços administrativos.
Com a entrada em funcionamento da maternidade, quase que já não se ouve falar de partos domiciliares na zona. Agora, as mulheres da Bela Vista conhecem a importância de fazerem regularmente as consultas pré-natais e pós-parto. Andam quilómetros a pé. Seguem em direcção ao centro, com os bebés, para que possam apanhar, por exemplo, vacinas de BCG, hepatite B, sarampo, pólio ou febre-amarela.
Mas o centro necessita de um gerador, para não depender daquele que, estando sob gestão da administração local do Estado, fornece energia eléctrica à vila comunal, apenas no período entre às 18h00 e 2h00 da madrugada.
“Por falta de energia, o nosso laboratório de análises clínicas não funciona de 24/24. À noite, os nossos técnicos utilizam lanternas ou velas para atender os doentes. Por exemplo, há uma paciente internada que deu à luz às 23h00, poucos minutos depois de faltar energia”, confirmou o director do centro médico da Bela Vista.
Ao Jornal de Angola, Kidianguiko Eduardo disse que o centro recebe, em média diária, 50 pacientes, que apresentam maioritariamente problemas de malária, doenças respiratórias agudas, infecções da pele e diarreias agudas.
“Em termos de medicamentos estamos mais ou menos bem servidos. O abastecimento é trimestral e bastante regular”, explicou.
Com apenas uma ambulância disponível para facilitar a transportação de doentes em estado grave, o centro da Bela Vista funciona com uma médica especializada na área de gineco-obstetrícia, dez enfermeiros, dois técnicos de diagnóstico e igual número de fitoterapêutas. A necessidade é de mais três médicos (um pediatra, ortopedista e gineco-obstetra) e pelo menos mais 20 técnicos de enfermagem.
“Estamos sempre a registar casos de anemia aguda. Por isso precisamos ter aqui um banco de sangue, para que esta unidade possa garantir um atendimento médico e medicamentoso melhor às populações locais”, referiu.
Para o administrador comunal de Bela Vista, Ginga António, a reabilitação e ampliação do centro provocou um impacto “extremamente positivo” no seio da população local, sobretudo devido à entrada em funcionamento dos serviços de maternidade, cuja estrutura está muito bem equipada.
Para acomodar melhor os técnicos de saúde, vindos da cidade de Caxito, a Administração atribuiu quatro residências. Mas continua a trabalhar no sentido de atribuir mais, para minimizar as dificuldades de acomodação que os mesmos sentem, para poderem permanecer mais tempo na região.
“Não está a ser fácil para muitos deles, saírem da capital da província (Caxito) ou de Luanda e permanecerem aqui alguns dias. Tudo isso, associado aos problemas de falta de transporte torna ainda mais complicada a vida dos técnicos de saúde transferidos para aqui”, reconheceu.
Além do centro, existem, na comuna, três postos de saúde em funcionamento nas localidades de Kipundo, Kizombe e Luz Grande.
“No sector da Educação também vivemos os mesmos problemas com os professores. Muitos deles vieram de Luanda e, também, temos dificuldades para acomodá-los melhor”, referiu.
Por falta de escolas, o sector regista cerca de 1.114 alunos fora do sistema de ensino. Pelo menos 2.775 estão matriculados do Ensino Primário ao I Ciclo do Ensino Secundário, e as aulas são asseguradas por um total de 45 professores.
“Estamos a trabalhar para melhorar esse quadro. Neste momento estamos a construir várias salas, com o apoio das comunidades, para inserirmos 150 crianças no sistema de ensino. Mas também precisamos de mais professores”, lamentou.
Pescadores e caçadores natos
Com muitos buracos, pedregulhos e ravinas, a estrada de acesso à comuna está muito mal. A distância entre a sede da Bela Vista e a vila de Ambriz é de 87 quilómetros, dos quais 50 exigem dos automobilistas muita atenção, concentração, experiência e habilidade na condução.
Apesar das dificuldades na via, camiões e carrinhas chegam da cidade de Caxito e de vários pontos de Luanda, carregados com bens industriais. Da Bela Vista, levam produtos agrícolas diversos.
“Aqui a permuta ainda funciona. Há negociantes que trazem, por exemplo, roupa usada, sacos e produtos de higiene, para trocar com milho, feijão, batata-doce, batata rena e mandioca”, disse o administrador comunal, Ginga António.
A comuna conta com mais de seis mil habitantes, que se dedicam à pesca artesanal no rio Loge, e à agricultura de subsistência. A população não mede forças para produzir o milho, feijão, batata-doce e rena, limão e mandioca.
Mas na localidade também há caçadores furtivos. Os animais abatidos, além de servirem para o seu próprio consumo, são transportados e vendidos no mercado da vila municipal de Ambriz.
Energia e água
A Administração Comunal de Bela Vista controla 135 moradores, que consomem a energia produzida a partir de um gerador de 180 KVA. “Mas devido à carência de combustível, só ligamos o gerador às 18h00, e desligamos às 2h00 da madrugada”, afirmou Ginga António.
Segundo o administrador, cada morador paga uma taxa mínima no valor de mil kwanzas por mês, mas o exercício revela-se muito difícil, “porque somos obrigados a andar sempre atrás das pessoas para cobrar”.
A água que chega da fonte do rio Quilengue, a 12 quilómetros da sede comunal, não é tratada. Mas o administrador Ginga António garante que a estrutura para o funcionamento da Estação de Tratamento de Água (ETA) já foi construída. “Dentro de pouco tempo a população vai consumir água potável. A estrutura da ETA já está montada. Só falta instalar o equipamento”, prometeu.
Jornal de Angola