Especial/ Cuango regressa à normalidade

 Especial/ Cuango regressa à normalidade

Em reportagem pelas minas da região da Lunda-Norte, atingimos Cafunfo, no passado um autêntico “el dourado” para milhares de garimpeiros angolanos e estrangeiros, estes últimos provenientes, sobretudo, da República Democrática do Congo (RDC) e de países do Oeste africano.

14/07/2021  ÚLTIMA ATUALIZAÇÃO 08H28

© Fotografia por: Agostinho Narciso |Edições Novembro

Depois de uma jornada que consumiu pouco mais de oito horas de viagem, passando por várias localidades das vilas do Lôvua, Cuilo e Caungula, fomos dar com a mina de Cafunfo, com várias frentes de produção a tentarem refazer-se dos efeitos dramáticos da pandemia da Covid-19, que abalou, a partir de 2020, a indústria de diamantes à escala global.

Base de operações da Sociedade Mineira do Cuango, no Cafunfo trabalha-se a todo o gás, para o retorno aos indicadores de produção que precederam a pandemia, numa altura em que se assiste a uma franca recuperação do preço das chamadas pedras preciosas no mercado internacional, o que anima o sector.

A Sociedade Mineira do Cuango é o resultado de uma parceria entre a estatal Endiama, a ITM e a Lumanhe. A sua liderança é um processo feito por um ciclo de três anos e, nesta altura, pertence ao accionista Endiama, tendo no topo Hélder Carlos, quadro que ingressou na ex-Diamang em 1982.

Foi, pois, com Hélder Carlos, que um grupo de jornalistas, despachados de Luanda, para verem o actual estado de pesquisa e exploração de diamantes na região das Lundas, interagiram.

Primeiro, na administração do projecto e, depois, em visitas guiadas – como em todas as minas –tiveram, em bom rigor, o “privilégio” de perceber, ao detalhe, toda a “mecânica” que sustenta uma actividade de tão elevada complexidade técnica como é a exploração, sustentável, de diamantes.

Aos jornalistas, Hélder Carlos “abriu o livro” sobre os indicadores da empresa Cuango, em 2020, referindo-se a projecções para a recuperação de cerca de 260 mil quilates, de que esperava uma receita líquida de, pelo menos, 79, 5 milhões de dólares, a um preço médio de venda de 347 dólares por quilate. “Por força da pandemia, que penalizou fortemente a indústria diamantífera, esse objectivo não foi alcançado”, confessou Hélder Carlos.

Quando estalou a Covid – 19, a maior parte dos técnicos nacionais e expatriados, que constituem a pedra basilar da sociedade, estava em período de folga, o que abalou seriamente a estrutura operacional da mina. Isso levou ao reajustamento da equipa que estava disponível, na altura com 129 trabalhadores, de um total de 665, dos quais 442 da região do Cuango.

Esse reajustamento conduziu a um processo de formação imediata de técnicos, que foram movimentados de umas para outras áreas e poderem operar alguns equipamentos técnicos nas diferentes frentes mineiras.
Sempre a olhar para os indicadores, amplamente partilhados com os jornalistas, o presidente do Conselho de Gerência da Sociedade Mineira do Cuango, referiu que havia uma projecção de produção mensal em torno dos 20 mil quilates, o que foi impossível atingir com a crise pandémica.

“Os mercados estavam fechados, as vendas quase que não eram feitas e, por força da quantidade de trabalhadores ausentes, a produção reduziu significativamente. Começamos a olhar para os indicadores da empresa, aí no mês de Junho, e verificamos uma queda acentuada quer na quantidade de quilates a recuperar, quer nas receitas que estavam a ser obtidas”, esclareceu Hélder Carlos.


Retorno à normalidade

Na mina do Cuango, regista-se, nesta altura, um frenesim total. São centenas de homens e  equipamentos técnicos pesados a escavar a terra e outros em constante movimento, carregando toneladas de minério em direcção às lavarias.
Está aberto o caminho para o regresso à normalidade, como pudemos ver, a despeito de alguns constrangimentos, que Hélder Carlos explica mais à frente.

Há como que uma corrida contra o tempo, depois de um período de incertezas, que chegou mesmo a ameaçar, por assim dizer, a continuidade das operações, com o Conselho de Gerência da SMC a partir para soluções de “reengenharia financeira”, depois de encarar várias cenários, envolvendo o recurso à alta finança internacional.
Como em toda a indústria mineira, na Cuango a pandemia representou, na verdade, um momento de particular angústia, já que, como reconheceu o seu actual líder, “se sentia que a empresa caminhava aceleradamente para a falência”. Esclareceu que, para lidar com os efeitos da Covid-19, a direcção da empresa e das operações partiram para o que se convencionou chamar “processo de reengenharia”, traduzido no abandono de uma área, a de Camabo, definida como fundamental e que representava cerca de 1, 7 por cento do universo das diferentes frentes.

“Tivemos que retomar a actividade de prospecção e exploração em algumas áreas em que já não havia uma grande intensidade da actividade operacional”, explicou Hélder Carlos, adiantando que, com a regeneração operacional, a partir do mês de Setembro os níveis de produção foram melhorando, terminando o ano de 2020 com um registo de cerca de 20 mil quilates por mês.

Mas neste processo de regeneração, a Cuango não esteve imune a algumas dificuldades, sobretudo de tesouraria, le-vando a soluções de “reengenharia financeira”, como se diz mais acima. Para ultrapassar a situação, foram traçados três cenários. Primeiro, a Sodiam partiu para mercado internacional, à procura de potenciais financiadores, num processo que ficou conhecido como “financiamento e apoio à tesouraria das empresas” e, depois, a Endiama recorreu à banca comercial interna. As duas opções resultaram infrutíferas.

Finalmente, as empresas foram autorizadas a contactar potenciais compradores, disponíveis a prestar esse contributo. “É assim que a Cuango, depois de devidamente autorizada pelos sócios, contactou um dos seus compradores, que se disponibilizou a apoiar a sua tesouraria. Pelo meio, foram surgindo algumas derrapagens e, em Novembro, redireccionamo-nos para esse contrato e passaram a assumir o compromisso de financiar os investimentos da Cuango”, disse o seu presidente.

Há um detalhe, revelador da estratégia de expansão da Cuango, mas, como se diz, sofreu um sério revés com a pandemia da Covid-19. Para 2020, os investimentos projectados estavam à volta dos 10 milhões de dólares, cerca de 4.000.000 para equipamentos de expansão, para novas frentes de operações, e outros 6.000.000 para a reposição e substituição de equipamentos, que já atingiram o seu tempo de vida útil.

Com as dificuldades, surgidas em 2020, a Cuango não atingiu as metas preconizadas e terminou o ano com uma produção de 164 mil quilates e uma receita de 51,5 milhões de dólares, a um preço médio que rondava os 314 dólares por quilate, segundo Hélder Carlos, para quem a oscilação nos preços dos diamantes teve enorme influência nos resultados financeiros, já que vendeu menos.

“Se nós tínhamos uma projecção mensal de cerca de 20 mil quilates, o Cuango estava a produzir em torno de 8 a 9 mil quilates, uma quebra muito relevante, que afectou grandemente a actividade da empresa”, argumentou, adiantando, no entanto, que para este ano as perspectivas apontam para a recuperação de cerca de 247 mil quilates, com um preço médio de 350 dólares por quilate e receitas muito próximas dos 75 milhões de dólares.

“Começamos bem o ano, com uma produção em torno de 20 mil quilates por mês. No mês de Fevereiro, vendemos 23 mil quilates, mas, depois, surgiram algumas dificuldades”, palavras de Hélder Carlos.

Em bom rigor, fala em duas dificuldades. Uma ligada às intensas chuvas na área da concessão, que por duas se-manas levaram à paralisação das operações mineiras. “Não se conseguia trabalhar, o terreno ficava muito lamacento, as máquinas ficavam atoladas e os índices de produção foram reduzindo”, esclareceu Hélder Carlos.

E, depois, surgiram problemas com as lavarias de pré-tratamento e de meio denso. São equipamentos comprados na China, que apontavam apenas para dois anos, mas que já levam três e apresentam problemas técnicos.

A agravar a situação, o ano passado não foram feitas novas aquisições de peças sobressalentes e acessórios, para os diferentes equipamentos.

Segundo Hélder Carlos, que prevê a subida dos níveis de produção nos próximos tempos, “tudo que havia em armazém acabou por ser consumido, a área de engenharia enfrentou algumas dificuldades, para a reparação desses equipamentos”.

Disse que na mina do Cuango há equipamentos com cerca de 15 anos, que carecem de substituição, mas que há várias encomendas de peças sobressalentes para reparação ou reposição de algumas máquinas, cujo embarque, a partir de alguns países, está beliscado por dificuldades de circulação comunitária, devido, sempre ela, à pandemia da Covid – 19.

“Estamos a falar de encomendas, algumas já pagas e outras em processo de pagamento, num montante de 2, 3 milhões de dólares”, clarificouHélder Carlos.

Mercado anima-se

“Os níveis de produção foram decaindo de 23, 20, 19 e, agora, para 17 mil”, sublinhou Hélder Carlos, emendando, contudo, que a quantidade de diamantes recuperados tem sido compensada pelo preço. “O mercado está em alta e os preços têm sido bons e isso é compensador”,  reconheceu, satisfeito, o líder da Cuango, indicando que a em-presa teve uma facturação mensal de cerca de 12 milhões de dólares, só com os 23 mil quilates em Fevereiro.

Mas, mais conservador, Hélder Carlos faz contas e diz que a manter-se a produção  à volta dos 20 mil quilates por mês e com a actual alta de preços dos diamantes, os lucros da companhia podem chegar aos cerca de 10 milhões de dólares por mês.

Considerou como um “bocado alta” a estrutura de custos da companhia, indicando que grande parte está concentrada nos indicadores laborais, com a remuneração a representar cerca de 81 por cento.

“Sob o ponto de vista financeiro, os custos com a força de trabalho, em regra, devem andar à volta dos 21 a 23 por cento, mas temos que concordar que há um conjunto de benefícios para os trabalhadores, incluindo com a mobilidade dos expatriados, que fazem viagens bastante longas”, referiu Hélder Carlos, que já liderou o poderoso pelouro do planeamento estratégico, administração e finanças, no Conselho de Administração da Endiama.

Disse que, pelos estudos de prospecção feitos até agora, a mina do Cuango pode continuar a laborar por mais 10 anos e confirmou a ambição da empresa, em situar-se entre os três principais produtores de diamantes aluvionares de Angola, em linha com o objectivo da Endiama em alcançar a lideranca africana e, talvez, mundial na produção de diamantes.

Combate ao garimpo

Ao entrarmos na área da concessão da Sociedade Mi-neira do Cuango, vimos a circular, isolados ou em grupos, muitas pessoas. “São garimpeiros”, disse-nos,  depois, um colega de viagem, que já an-dou há alguns anos por essas paragens. Com algum detalhe, referiu-se aos perigos da actividade do garimpo, que, não poucas vezes, resultam em mortes com o desabamento de terras.

Eles (garimpeiros) saem à noite para várias zonas à procura de diamantes, uma perdição para muita gente da região das Lundas e actividade com danos consideráveis ao ambiente, devido ao tipo de equipamento utilizado.
No Cafunfo, tivemos relatos de casos de garimpeiros que tiveram um desfecho dramático, ao tentarem alcançar os depósitos de minério, com recurso a escavações verticais no solo e construção de galerias.

Nos últimos meses, o fenómeno do garimpo atingiu, na zona da concessão do Cuango, proporções alarmantes, depois que o Conselho de Gerência autorizou a passagem pelas vias da mina dos meios de transporte de pessoas e mercadorias, para o Cafunfo, devido  à acentuada degradação da EN 245, como  confirmou Hélder Carlos aos jornalistas.

“Por solicitação da Administração Municipal do Cuango, o interior da mina tem estado a ser usada como a principal via de circulação, para os meios que transportam as mercadorias e passageiros para o Canfufo, mas, depois, verificamos, que todos os dias há um nú-mero elevado de garimpeiros a circular na área de concessão”, referiu.

Esclareceu que, para inibir e afastar os garimpeiros da concessão, têm sido desenvolvidas algumas acções “paliativas”, coordenadas entre o departamento de segurança da Sociedade Mineira do Cuango e uma empresa contratada.
Este é o retrato possível de um projecto que tenta reerguer-se do impacto da pandemia da Covid- 19.

Para os jornalistas, as mais de oito horas de uma viagem extenuante, até à região do Cuango, seriam compensadas pelo regresso, à boleia, num avião fretado pela SMC. Mas, antes, uma paragem num projecto habitacional para cerca de 600 trabalhadores no Cafunfo, na esteira da responsabilidade social da companhia, para a qual aos sócios foi solicitado, este ano, um investimento de 1, 8 milhões de dólares.

O apoio social estende-se, também, à construção de postos e centros de  saúde, escolas, preservação do ambiente, pontes e outros equipamentos sociais, que o Jornal de Angola aborda em próximas edições. A So-ciedade Mineira Kaixepa, no município do Lucapa, e o que se segue nesta excursão às explorações diamantíferas nas região das Lundas.