• 1 de Dezembro, 2024

Negócio de sucatas cresce em Luanda

 Negócio de sucatas cresce em Luanda

Em meio a dificuldade para conseguirem o primeiro emprego ou um mínimo renda alternativa, estes cidadãos não medem esforços para terem acesso directo a estas matérias-primas, havendo, inclusive, quem mergulhe em “lixeiras enriquecedoras” em busca de material ferroso.

Sem receio de possíveis problemas à saúde, muitas destas pessoas passaram a invadir, nos últimos tempos, os focos de lixo, para separarem determinados tipos de resíduos sólidos, em específico, a fim de vender a clientes individuais ou a empresas recicladoras.

Depois de quase um quinquénio na recolha do plástico, os catadores viraram agora as atenções para as sucatas, ferros velhos, metais, baterias avariadas e outros materiais afins, o que em certa medida está a ajudar as autoridades na limpeza da cidade de Luanda.

Contudo, ainda que paradoxal, isso está a estimular os roubos e a danificação de bens públicos.

Em concreto, o negócio ganha espaço em quase todos os municípios de Luanda, permitindo que alguns cidadãos organizem as suas vidas, através da comercialização às fábricas de siderurgia, no caso de grandes toneladas, e da comercialização a “compradores-revendedores” ambulantes.

No essencial, o negócio envolve viaturas estragadas e abandonadas nas ruas, cabos de cobre de postos e iluminação pública, máquinas de lavar, fogões, ferros de engomar, entre outros meios e equipamentos usados para produzir alumínio, bronze ou chumbo, os mais procurados.

O material é “despachado” à luz do dia, por adolescentes e jovens em quase todo o país.

A actividade é também fortemente incentivada pelo renascer da indústria siderúrgica no país, suportada, entre outras empresas, pela Fabrimetal, que usa a sucata com 60 por cento da matéria-prima interna, importando outros 40%, por ser difícil adquirir no mercado nacional aditivos, peças sobressalentes e outros materiais de consumo.

Na verdade, em Angola existem várias empresas focadas nesse segmento de negócio, mas o sector informal mostra-se mais activo, promovendo uma concorrência desleal entre empresários de facto e comerciantes ocasionais, como o cidadão Emílio Raul.

O comerciante ocasional trabalha numa “sucateira”, no município de Viana, onde acumula, com alguns companheiros, vários tipos de sucatas.

O material é comprado em vários fornecedores/catadores, entre homens e mulheres, sendo que o quilo de ferro custa 50 kwanzas. Posteriormente é comercializado nas fábricas de grande porte.

É, precisamente, na zona da Emissora, onde esse negociante dedica parte do seu tempo a manusear ferro fundido, peças de carro, carcaça, chapa de zinco e tamborão.

De acordo com o cidadão, diariamente naquele quintal chegam, em média, 50 vendedores, com quantidades que variam de 7 a 90 quilos de material ferroso.

O “sucateiro” explica que o quilo de cobre, por exemplo, pode ser comprado pelos “pesadores” mais caro que o alumínio, sendo o ferro o material que menos rende.

“Deste trabalho é possível contribuir no processo formativo e sustento da minha família, assim como atender outras necessidades correntes”, sublinha Emílio Raul.

Salienta que a pequena empresa montada num quintal, aparentemente abandonado, recolhe também produtos de plásticos para levar à reciclagem.

 Crescimento vertiginoso

Vitorino Bráulio é outro adolescente (órfão de pai) que, por orientação da mãe, engaja-se diariamente na procura e recolha de material ferroso e não ferroso nos bairros Gamek e Morro Bento, no município de Talatona, muitas vezes de baixo de forte sol ou de intenso frio.

No período de aulas, o adolescente reserva toda as manhãs para ir à escola, e de tarde põe-se a “apanhar” ferros. Depois de seleccionar o aproveitável, transporta-os a certas unidades fabris, para “despachar” o quilo (no caso de ferro) a 40 kwanzas.

Por sua vez, Lamine Keita entrou no movimento há um ano, porque a sua cantina faliu.

Em declarações à ANGOP, o agora sucateiro diz que o negócio está a permitir remediar-se, tendo em conta que todos os dias recebe, no seu depósito adaptado, vários fornecedores.

“Se a pessoa tem paciência consegue ganhar alguma coisa. Compra o produto de pessoas que recolhem, pagando pelo quilo entre 25 e 30 kwanzas”, testemunha.

Posteriormente, explica, vende o material o mesmo material a uma empresa revendedora, a  preço diferente que varia de 2 mil a 5 mil kwanzas, em função do valor de referência da fábrica.

O maliano de nacionalidade adverte, entretanto, que é necessário comprar bom material, como mola de carro e chassi, que em regra, na fábrica, vende a 60 ou 65 kwanzas por quilo.

“O homem que tem empresa constituída compra o material e depois revende à fábrica”, diz Lamine Keita, lamentando o facto de muitas empresas que compravam ferro fundido terem parado de o adquirir, numa altura em que mais famílias sobrevivem desse negócio.

“O mal da actividade está naqueles que fazem estragos, tiram tampas dos esgotos, roubam material da linha férrea, destroem coisas do Estado. Há três meses que tradicionais clientes não estão a comprar ferro fundido, porque as pessoas têm roubado certos produtos”, repudia.

Devido à crise económica e financeira que assola o país, desde 2014, e a pandemia da Covid-19, que resultou em altas taxas de desemprego, cada dia mais pessoas “abraçam” o negócio.

Há 12 anos, Maria António iniciou-se na venda de material ferroso. Sem revelar o valor de facturação média mensal, a comerciante diz que nesta altura os lucros caíram bastante, se comparados com os da fase em que entravam frequentemente no país viaturas usadas.

Ainda assim, assegura que o dinheiro arrecadado serve para sustentar as suas despesas.

Fábricas incitam concorrência

As zonas e ou bairros do Cazenga, Viana, Rangel, Palanca e Capolo afiguram-se como as mais “férteis” da capital do país na venda de sucatas e outros materiais ferrosos.

Contudo, a actividade ganha corpo na Petrangol, no Golfe e Hoji Yá Henda, zonas com abundante material, na sua maioria transportado para a Fabrimetal, empresa privada de aço.

Localizada no município de Viana, essa companhia assume-se hoje como líder do mercado nesse segmento, pelo menos em Luanda, depois de a Ferrangol (antiga Empresa Nacional de Ferro de Angola E.P) passar, em Abril de 2020, a Agência Nacional de Recursos Minerais (ANRM).

A fábrica entrou no mercado em 2010, com investimento inicial de USD 9 milhões e 800 mil,  reinvestiu, entre 2017 e 2020, mais de USD 21 milhões, para optimizar a capacidade instalada de 12 mil toneladas/mês, superando a actual produção de 60% (cerca de 7.500 toneladas).

A unidade transformou-se num “depósito industrial” e recebe sucata de todas as partes de Luanda. Actualmente, 60 por cento da sua matéria-prima tem origem no mercado interno, conforme assegurou, recentemente, o seu director-geral, Luís Diogo.

Na ocasião, o responsável esclareceu que nem todo material ferroso tem as mesmas características químicas e mecânicas, e que os custos associados ao manuseamento da sucata subiram, sendo que em 2020 a Fabrimetal pagava em média cerca de 40 mil kwanzas por tonelada de sucata ferrosa e este ano paga 85 mil kwanzas por tonelada.

“Esperamos poder fazer novo aumento até final deste ano na capacidade produtiva, em função da capacidade instalada e do aumento de níveis de eficiência”, reforçou, lembrando que se iniciaram com a venda de varão de aço, e agora vendem armaduras de betão, cantoneiras, barras e perfis.

A Fabrimetal emprega 565 angolanos e 111 expatriados, estando a vender os seus produtos directamente aos clientes em Luanda e nas outras províncias do país.

Angop

 

 

 

 

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